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Uma nova leitura (a sétima)


Quando a Helena se aproximou de mim no começo da catequese, já pensei que ela ira me convidar a fazer leitura na missa deste domingo. Na hora, vacilei, e pensei brevemente em recusar. Não pensei isso claramente, porém, na hora. Foi uma vontade fraca. Ela anotou meu celular, meu whats, e me disse que iria ser a segunda leitura.


Esta iria ser minha sétima experiência de ler trecho da Bíblia na missa de Cura e Libertação, a missa mais concorrida no santuário que frequento. Estando na terceira semana do Advento, então essa missa adquire importância e destaque ainda maiores. 


Enquanto o catequista se aprontava, peguei a minha Bíblia e conferi os trechos para o dia. Não para verificar o que eu iria ler. Mas, como acontece todo dia, para sentir a presença de Deus por meio dos escritos. Geralmente faço essa consulta pela manhã.


Eu estava nos bancos intermediários na sala da catequese, mas me senti instantaneamente sozinho quando peguei aqueles trechos do livro e os li para mim mesmo. Não me senti elevado, nem nada. Mas me senti sozinho. Como se ali não houvesse mais ninguém. Li inadvertidamente os trechos que eu iria recitar na missa. E percebi como eles diziam tanto, para mim e para o mundo. Mas na hora não me toquei que seriam esses trechos a ler naquele dia.


A catequese começou, e como sempre - sendo Asperger, inclusive -, minha mente se concentrou em algum aspecto da vestimenta do catequista ou do diácono, que também estava presente. Fico sério na hora, ouvindo aquilo, que em geral não fala muito para mim. Sinto aquelas falas muito repetitivas, cansativas e sem conteúdo. Mas essa impressão é só minha, em geral. As pessoas gostam, de forma geral.


De repente reparei que o trecho que eu iria ler dizia respeito a alegria. Era um trecho da 1a Carta de São Paulo aos Tessalonicences, em que eram expressos os deveres em vida dos crentes. Algo que extrapolava o mero dever, seguir cartilha, etc. Na hora, fiquei um pouco em dúvida e intranquilo, porque hoje havia tido mais um sonho com a Cris e mais uma vez me senti fraco com esse tipo de lembrança. Percebi que eu iria ter de me reinventar na hora. Que iria ser um esforço maior, não apenas e tão somente mais uma leitura.


Minha situação nos últimos anos tem tornado difícil aparentar alegria. Pensei na hora que eu iria ter de assumir na missa um aspecto alegre, ou no mínimo animado durante a leitura. E senti a dificuldade. Experimentei a dificuldade com antecipação. Isso me deixou meio cabreiro, mas não falei nada para ninguém. Minha expressão é mesmo de tristeza, a maior parte do tempo, além de ter emagrecido e não conseguir passar uma ideia de prosperidade. 


Durante a última sessão de catequese do ano, essa mesma, eu falei duas vezes. As duas com uma impressão de certa agressividade, como se me forçasse a falar. Mas ninguém me interrompeu nem achou indevido. Muito ao contrário. As pessoas em geral prestam bastante atenção. Daí fomos todos para fora, a Sandra se despediu, foi para a missa, e outras pessoas me perguntaram como eu iria fazer. Iria para casa descansar, e me preparar para a tarde.


Eu estava confuso. Não sei se por causa do hiperfoco, de que eu preciso, ou porque a Sandra me tratou algo diferente (outro dia comento), ou porque estava com um pouco de fome, ou pelo desafio. Sei apenas que entrei na lanchonete, que fiquei pouco, e que fui para casa, de ônibus, tentando me acalmar e me sentir melhor a respeito (sabendo que não iria conseguir isso). Porque esse período entre o descanso e a missa eu sempre passo preocupado, confuso, disperso, sem conseguir dormir nem nada, e às vezes até me esquecendo de tomar banho de novo.


Eu precisava chegar perto do santuário bem antes, porque precisava pegar dinheiro no Extra. O tempo passou, não consegui me concentrar, peguei o Novo Testamento da Edição de Estudos que comprei ali mesmo, há vários meses, me aprontei com roupa não muito quente (estava um Sol abrasador), mas levando um blazer para a volta. Faz tempo que não vou àquele tipo de situação com o terço, rezando-o, ou tentando me focar. Como que a leitura se tornou natural para mim. Já fiz tantas vezes (seis, desta vez a sétima) que algumas pessoas já se acostumaram a me ver ali, no púlpito.


Passei por volta das 14h30 em frente ao santuário, peguei o dinheiro no caixa automático do Extra e precisava de uma garrafa para água. Das outras vezes eu sempre precisei de água, mas nunca me lembrei de levar. Desta vez, peguei uma garrafinha no lixo, a esvaziei, e fui até o santuário. Como asperger, passei a me comportar de jeito formal, distante, e sentindo que iria fazer algo relevante, para minha vida, e para a dos outros. 
 

Fui até o bebedouro. Enchi a garrafinha com água, e fui aos poucos até lá em cima, no sacrário e na porta pela qual entramos quando vamos fazer leitura e participar de toda a cerimônia. Rezei um pouco no sacrário, mas sem muita convicção. Percebi que estava calmo, e que aquelas músicas já estavam sendo entoadas, sendo que elas por vezes me incomodam, me distráem e não fazem com que eu me sinta realmente na missa. Entrei no vestuário, mas, por meu jeito, o padre, que estava lá, e um funcionário chegaram a me questionar quanto àquilo que fazia ali. 
 

Eu lhes disse que iria fazer a leitura, mas eles não ouviram ou não quiseram ouvir. Falei mais alto, e eles entenderam e me receberam bem. Fui até o vestuário e pus em mim mesmo aquele avental bege claro, e deixei minha Bíblia ali mesmo, assim como o blazer. Mas a garrafinha estava quase vazia, reparei nisso, e fui de novo ao sacrário.
 

Gosto de permanecer ali, quieto, distante da frente ou mesmo não muito lá atrás. Simplesmente ficar ali. Mas as pessoas passam e me vêem, ou eu as vejo, e isso me incomoda. Eu queria poder sentir-me realmente a sós com Deus naquela situação, mas é difícil. Por vezes, mulheres aparecem e me deixo atrair por sua aparência. E isso me incomoda. Não porque não deva, mas porque eu quero mesmo é ficar sozinho, ali. Não gosto que sequer me cumprimentem.
 

Reparei que o outro colega que iria ler o trecho anterior do Novo Testamento (ou Velho, não sei, ah, era Isaías, era o Velho) estava ali rezando. Entendi algo da relação daquelas pessoas com a fé, e me congratulei por ficar com pessoas que sentem como eu - embora de forma algo diferente, como irei mostrar a seguir. Mas estava preocupado com a garrafinha, então desci e fui colocar água nela.
 

Mas fui com a vestimenta, por um corredor interno. E isso não costuma ser muito comum. Passei por um segurança, um sujeito que de vez em quando sente dificuldade de me cumprimentar - acho ele bastante arrogante ou autoritário -, e também por pessoas que tentei evitar (porque sentia que não estava fazendo tudo corretamente). Enchi minha garrafa de água, e fui então de vez até lá em cima.
 

Mas tive dificuldade em ficar de pé, do lado de meu colega. É um sujeito barbudo cuja energia sempre me agradou. Desta vez, não fui atrás do trecho da Bíblia que eu iria dizer, para ensaiar. Fiquei ali, do lado dele, enquanto o pessoal cantava. Eu sempre tenho dificuldade. Não me sinto bem. Não é por vergonha, nem porque eu cante mal, mas por algo que eu mesmo não consigo explicar direito. Sinto-me bem mesmo ali no sacrário, perante Jesus, antes de ele entrar na missa.
 

Pois preferi então ficar no sacrário, esperando identificar o momento em que todos fossem participar da procissão. Fiquei ali tranquilo, e quase me afastei do lugar em emoção quando tocou o sino e o rapaz que iria ler comigo me chamou. Ocupamos o lugar combinado, bem à frente, e lá estando esperamos o Monsenhor chegar e começarmos com tudo. 
 

Normalmente não gosto de andar com meu crucifixo à mostra. E olha que eu de certa forma tenho orgulho desse que carrego atualmente, se querem saber. Pois praticamente tudo o que tenho que diz respeito a fé e com que ando por aí eu achei. Este crucifixo não é aquele da minha mãe, que veio de Roma (e que caiu e se perdeu). Nem são outros cujas contas se estragaram. Este´é simples, com um cordão preto, e de madeira, muito simples, mas não necessariamente comum.
 

Não gosto de exibir meu crucifixo porque sinto que muitos outros, quando o fazem, é para demonstrar diferença. Que são diferentes, ou para mostrarem sua crença, sem que o outro a tenha pedido. Ou para mostrarem como os crucifixos são portentosos e causam alguma impressão. Eu nunca ando com ele à mostra. Em casa, visto-o como sempre, por debaixo de tudo ou por cima. Mas quando aparece alguém eu não o mostro. Se querem saber, quando a Paula o acha, e eu o mostro, sinto mais orgulho do que qualquer outra coisa. Mas não mostro para qualquer um. Me irrita.
 

Mas quando descemos rumo ao presbitério eu o tiro para fora. Ele é um crucifixo simples e pequeno, de madeira, que não chama a atenção. E sinto que ali eu tenho que mostrá-lo. Porque realmente acredito. Descemos a procissão e esperamos enquanto o Monsenhor joga água nas pessoas, e com isso nos envolvemos com a missa em si. Desta vez, ficamos novamente do lado, mas por algum motivo senti que eu tinha alguma precedência. Que eu parecia ser mais do que de fato pensava que era.
 

Em todas as vezes anteriores que participei da missa, eu nunca me senti propriamente dentro dela. Era como se eu estivesse participando, e fazendo um papel especial. Via as pessoas, cada uma com sua fé, envolvidas em tudo aquilo mas não me sentia especialmente tocado por nada. Já comentei em textos anteriores como isso acontecia. Era como se eu estivesse me testando, e testando minha forma particular de experimentar a fé. Não que ela não fosse verdadeira, que eu não estivesse ali acreditando, mas eu via as pessoas e desconfiava de algumas situações, de algumas posturas, ou mesmo do jeito como se comunicavam. 
 

Desta vez, como um processo que aos poucos se inculca em mim, foi levemente diferente. Na verdade, toda vez que eu participo é algo diferente, e algo mais entranhado. Mas, assim como em minha experiência pessoal, em casa, tenho algo a dizer, aqui também há algo de diferente, para melhor ou para pior, que ocorre em mim. As músicas tornam-se mais minhas, com o passar do tempo, e eu mesmo não mais encaro toda a cerimônia em seus momentos particulares, passando à minha frente, esperando pelo outro. Não. O significado do Advento bate firme em mim, e noto como tudo parece se encaixar naquele momento em especial. 
 

Eu bebia da água da garrafinha enquanto esperava o tempo passar, o Monsenhor dizer suas palavras, e conduzir a cerimônia, que iria ter umas ofertas para uma ocasião específica, ligada à CNBB, que não guardei em nome. Nesse momento, as pessoas cediam alguns trocados, e vi claramente o Monsenhor quando ele fez o mesmo. Não o fez chamando a atenção, muito ao contrário, mas vi claramente uma nota de cem reais que ele colocou no envelope. Não me afetou em nada, isso, até porque confio em seu jeito de ser quando fala a respeito do dízimo - algo sobre o que falarei em tempo oportuno - até porque é um tema tabu no que diz respeito a religião e a igreja, de forma geral.
 

Eu me sentia meio fraco. Não como no dia anterior, quando também assisti à missa, com uma pizza mal digerida dentro de mim, mas por achar que havia comido pouco, e que isso havia me enfraquecido - assim como o esforço de ir e voltar de casa. Mas precisávamos estar alertas, porque logo iriam nos chamar, para fazer a leitura. Isso aconteceu poucos minutos depois. Meu colega foi na frente, ele, que iria dizer o primeiro trecho de Isaías, e eu fui depois. 
 

Fiquei lá atrás escutando ele falar, mas sem entender muito, nem conseguir captar a energia do trecho de Isaías, que normalmente é bastante intenso. Depois, veio o momento do louvor, em que o cantor puxou as pessoas presentes - umas 2 mil - para cantar compassadamente um salmo que não soube identificar. Ao contrário de outras vezes, desta não fiquei nervoso com a hora da entrada, ou esperando que ele terminasse o louvor logo. Muito ao contrário.

 

Pus a garrafinha no bolso de trás da calça, peguei meu óculos, limpei as lentes, e fiquei pronto com elas, sem sentir nada em especial. Sabia de minha responsabilidade ao falar aquele trecho da carta aos Tessalonicences, mas não fiquei preocupado. Nem pensei sequer em sorrir em algum momento qualquer.
 

O louvor demorou uns bons minutos, e as pessoas pareciam acompanhar como sempre, sem muita efusividade, mas com bastante fé. Não me detive em ninguém em particular a esse respeito, e quando terminou fui eu falar aquele trecho da Bíblia.
 

Desta vez, algo aconteceu. Não sei bem o que foi realmente. Sei apenas que o rapaz que me passou o microfone me indicou o trecho da Biblia, uma edição vermelha bem grande, e de repente vi tudo claro bem à minha frente. As frases pareciam tão perfeitas, tão claramente desenhadas. Tudo parecia como se estivesse estado sempre lá à minha procura. Não era como das outras vezes, em que as frases pareciam se entremear umas com as outras. Aqui estava tudo limpo, claro, sem que eu precisasse me preocupar. 
 

Falei de forma tal que causou espanto. Isso pude perceber na hora. Primeiro porque não fiquei o tempo todo preso ao texto, olhando para baixo. Olhava para frente, e dizia, olhava para baixo e dizia. E assim foi um tempo curto, mas que causou uma impressão absurda.

 

Nunca antes isso acontecera. Lembro-me bem de que, enquanto falava, o silêncio era sepulcral, e que as pessoas pareciam realmente entender o que era dito. Que era tão simples. E que tão simplesmente parecia sair de nosso coração. 
 

Os trechos são os seguintes (em minha edição):
 

Irmãos
 

Estejam sempre alegres.
Rezem sem cessar. 
Dêem graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus a respeito de vocês em Jesus Cristo.
Não extingam o Espírito, não desprezem as profecias; examinem tudo e fiquem com o que é bom. 
Fiquem longe de toda espécie de mal.
Que o próprio Deus da paz conceda a vocês a plena santidade. 
Que o espírito, alma e corpo de vocês sejam conservados de modo irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. 
Quem chamou vocês é fiel e realizará tudo isso.
Palavra do Senhor.

 

Quando me afastei, após dizer os trechos breves, um senhor, de minha catequese, me olhava profundamente, tocado, e algo parecia haver acontecido naquele momento em especial. Parecia algo maior, algo que tocava as pessoas, realmente, e de que eu fiz parte recitando. Eu me senti muito bem com tudo aquilo. Mas sinceramente fiquei muito impressionado. Algo havia acontecido. Eu não simplesmente lera. Eu fizera as vezes de Paulo, e caras, foi muito tocante - embora eu nunca me emocione na hora.
 

Costumo ser uma pessoa bastante fria na recepção de coisas que acontecem comigo. Não gosto de elogios, acho que muitas vezes só faço o que preciso, em geral os comentários das pessoas me parecem irrelevantes (tanto positiva quanto negativamente), e tendo a me fechar em copas principalmente quando as coisas dão muito certo. Mas desta vez parecia ter acontecido algo diferente - não apenas na receptividade, mas em mim mesmo.
 

Lembro-me bem que das outras vezes que li as pessoas pareciam ter gostado muito. Que causara impressão, e muitas pessoas passaram a me olhar de outra forma a partir de então. Por vezes pessoas na rua me olham diferente, e mesmo nas lanchonetes há pessoas que me tratam diferentemente. Mais pessoas em carros me cumprimentam, e vizinhos me olham com maior respeito. 
 

Mas desta vez aquilo que aconteceu me tocou de outra forma. Não foi apenas que eu tenha lido bem - e fui elogiado -, ou que a mensagem tenha tido um significado especial para aquele dia e aquela ocasião. Não foi bem isso. Eu me senti falando algo em que acredito diante das pessoas, simplesmente repetindo aquilo que estava escrito, mas com autoridade para fazê-lo. 
 

Porque vocês podem considerar de qualquer outra forma: que eu fiquei tapado, que fico rezando a toda hora, que perdi algo de minha forma de pensar. Ocorre que simplesmente não posso concordar com isso. Eu continuo uma pessoa bastante pessimista. Continuo bastante ácido em meus diagnósticos da realidade. Continuo tosco em muitas respostas a gente que quer saber mais do que eu sinto que devem. Mas inculquei a tal ponto minha fé que desta vez o que saiu, a mensagem de Paulo, saiu do coração. E acho que as pessoas perceberam.


É curioso, contudo, porque na hora eu não me emociono. Nem fico me imaginando fazendo as vezes de objeto diante de algo que me supera. Não, nada disso. Sei bem como é esse tipo de imagem que criamos de nós, quando fazemos algo especial, e que no fundo é apenas uma forma de autoconvencimento para superar inseguranças, por exemplo. Aquele momento, nesta missa, pareceu vindo de outro lugar. Como se eu já tivesse feito aquilo, em autoridade e carne e osso, mas não tivesse experimentado tudo em um instante real. 
 

Não citei até agora, mas agora comento. Pois já desde o começo da missa eu me sentia realmente estranho, tenho que admitir. Tanto que quando nos postamos do lado do presbitério, esperando até nossa vez, eu chorei uma vez, e não sei por quê. Havia algo no ar que me motivava mais do que de costume. Até porque não costumo chorar nesse tipo de ocasião, até mesmo pelo fato de estar participando dessa forma. Havia algo de música na hora, pelo que me lembro. Mas havia a fé.
 

Preciso também comentar que os trechos da Bíblia nesse momento já haviam sido lidos por mim naquele mesmo dia, e mesmo antes, porque diziam respeito ao tema da semana na catequese. Eram trechos que falavam de João Batista, que falavam de conselhos aos que crèem, e que diziam muito profundamente para mim. Isso porque eu praticamente via o João Batista ali, no deserto, clamando. E porque eu me sentia assim há um tempo atrás, como que implorando para ter alguém que me ouvisse. É curioso também, mas a imagem do deserto me toca profundamente. 
 

Curioso que eu racionalize tudo, e  que perceba que, no caso de João Batista, minha emoção não vinha de sua trajetória, nem de imagens que a gente poderia retirar daquele momento na história. Vinha mais bem de uma compreensão maior daquilo que ele estava anunciando, e do valor profético disso, assim como do aparecimento de Jesus. Penso naquelas paragens, e me comovo, hoje, como nunca antes. É uma comoção que advém do fato mesmo, do anúncio do messias, e não de algo que esteja em mim, como uma emoção à qual não consigo resistir. Lembro-me disso claramente. 
 

Diversas passagens nos trechos de João me remetiam, enquanto ficava assistindo e participando da missa, a frases e expressões que desta vez me comoviam mais do que nunca. Tais como o fato de João Batista ser testemunha, mas não o messias; como o fato de ele andar pelo deserto - pelo deserto - anunciando a vinda do Messias; como o fato de dizer para aplainarem o caminho, para a chegada do Senhor. Eu já conhecia essas passagens há muito tempo, desde que me havia convertido. Mas desta vez aquilo falava mais forte para mim. Eu quase imaginava visualmente a cena, e me remetia a momentos, na catequese, em que sentimos que ele clamava no deserto. Como nós mesmos nos sentimos, quando anunciamos o Messias. 
 

Era estranho, porque ao mesmo tempo eu me afastava e achava que isso era apenas emoção, que não era uma convicção profunda em mim, algo entranhado em minha razão, e naquilo que fundamenta o meu ser. Sentia por vezes que eu me emocionava apenas com a ocasião, mas era curioso, porque embora sentisse melhor aquelas canções eu não me sentia imediatamente comovido por algo delas. Essa comoção que eu sentia era apenas minha, advinha de minha maior queda na fé, ao mesmo tempo em que ela me provinha uma ascensão, algo de que eu tinha que me orgulhar, no fundo.

 

Porque era algo que eu vivenciava todo dia, mesmo quando não ia à igreja.
 

Nisto, é preciso que eu me remeta aos meus dias, no dia de hoje. Quando acordo muito cedo, para tentar conseguir alguns trabalhos, e muitas vezes me pego com a Bíblia do lado. Momentos em que me retraio um pouco, vou até a mesa de jantar, e leio os trechos do dia. Momentos em que não penso em mais nada, em que não me deixo ocupar por preocupações, em que me deixo conduzir por tudo aquilo que esses trechos têm a me oferecer. Eu não consigo expressar bem, aqui. Todo dia há uma espécie de acréscimo nas camadas de compreensão, e sempre eu sinto uma paz muito grande, que em nenhum outro momento do dia eu consigo sentir. 
 

Pois sabemos que a Bíblia apenas oferece uma longa história de povos que clamavam por um Deus que pudesse conduzi-los a uma terra prometida. Desde Abraão, passando por Isaac, Jacó e muitos outros. Ocorre que essas histórias possuem trechos anacrônicos, muitas matanças, guerras, e episódios que servem como lição.

 

Pois muitas vezes nós não conseguimos entender em que medida tudo aquilo tem realmente a ver com Jesus e com sua mensagem. Ocorre que, com a catequese, eu venho conseguindo fazer as pontes. E mais, os trechos que antes me confundiam agora me esclarecem, e sempre - sem forçar nem um pouco a barra - eu me sinto melhor, confortável, como se alguém estivesse do meu lado.

 

Sabemos que há quem defenda que os escritos mais antigos apenas diziam respeito a um Javé, e que segundo essas pessoas o Deus posterior não tem nada a ver com tudo isso. Sabemos disso. Assim como percebemos de que forma a Igreja Católica criou em cima de todas essas histórias, e de episódios como os escritos apócrifos, que falam também de Jesus, mas que num determinado Concílio não foram inseridos na tradição.
 

Ocorre para mim, contudo, que nesses momentos de solidão, bem pela manhã, em que estou quase de pijama e em que leio os escritos de forma tal que eles parecem entrar em mim, nada disso parece adquirir importância. Pois ocorre uma mistura, uma ligação, entre os escritos mais antigos, alguns mais recentes, e os escritos posteriores, do Novo Testamento, e dos escritos de Paulo e de outros. Porque fazendo essas pontes algo parece realmente entrar em mim. Não forço a barra ao dizer isso. Eu me sinto temporariamente novo, e meu comportamento muda, assim como minhas formas de entender o mundo.
 

Esses momentos de solidão, pela manhã, eram finalmente transferidos para algo público nessa missa. Eu finalmente sentia a profundidade daquilo que lia quieto em casa agora envolvido por gente que, cada uma, se relacionava com sua fé à sua maneira. O meu colega de leitura cantava, de um jeito meio desafinado ou sem graça, mas com isso se expressava em sua fé, e eu olhava tudo de outra forma, mais profunda, mais sentida, mais religiosa, mas nem por isso mais boba. Eu começava a me deixar invadir pela missa, que continuava, após nossa leitura, com a leitura de João, a que me referi. 
 

Claro, depois da leitura da Bíblia, de João, o Monsenhor teria que se expressar, e explicar algo melhor tudo aquilo que estava acontecendo naquele momento. Não me recordo direito disso tudo, porém. Eu estava de pé, lá do lado do presbitério, com o meu colega próximo, e ouvia o Monsenhor explicar os trechos da Bíblia, mas antes fazendo uma espécie de mis-en-scene estranha, fazendo as pessoas se mexerem, como que se esticando, com brincadeira e tudo, e fazendo as pessoas conversarem umas com as outras desejando o melhor, etc. e tal. Aquele tipo de subterfúgio para obrigar a pessoa a participar. 
 

Porém, e era isso que me parecia novo, desta vez eu não me sentia sendo obrigado a nada, eu não me sentia sendo manipulado - o que no fundo acontece naquele tipo de ocasião - com base nas expectativas que temos uns dos outros, ou que fazemos crer que temos, na verdade. Eu me sentia bem. Fazia o que ele pedia, mas ao mesmo tempo eu me sentia presente fazendo aquilo, sem que fosse obrigado a nada.

 

Por outro lado, meus desejos para com as pessoas com que lidava parecia desta vez sincero, como se eu realmente estivesse convencido da mensagem (eu sempre estou convencido, só acho aquele tipo de coisa patética, aquele tipo de cena). Mas a missa foi então avançando e eu me deixando levar por tudo aquilo, já bastante cansado, embora não estivesse nem na metade de tudo o que iria acontecer.
 

Lembro-me claramente de quando me converti. De quando, ao ler os Evangelhos, algo parecia se abrir a mim. Lembro-me também claramente - eu escrevi a respeito, inclusive - de quando lia os Evangelhos para melhor entender a Paula, e de como, aos poucos, meio aos trancos e barrancos, eu fui percebendo as mensagens por detrás do livrinho, que tenho aqui à minha frente.

 

Pois agora, na medida em que leio todos os dias trechos da Bíblia, mas que não recuso ler outras coisas, eu percebo claramente como meu coração começa a se abrir novamente, mas de forma mais suave, mais singela, e para fora, como se antes a ferida abrisse o coração para dentro, ao passo que agora não. Por isso é que eu sinto - creio eu - que quando me expresso em canções eu ainda não me sinto tão à vontade.

 

Porque o coração para fora não evoluiu o suficiente, não me fez convencer de que eu estava realmente me satisfazendo com esse processo. Daí que estancou. Lembro-me também que eu via vídeos de um padre no Youtube sobre essa questão do pecado, etc. e tal, e de como as pessoas, quando não saem para a santidade, param no meio do caminho.

 

Mas algo naquelas explicações não me fazia acreditar, realmente. Pois eu percebia que no meu caso a ferida era outra, não era necessariamente com base no costume, ou por fazer algo errado, mas era porque eu não trabalhava no sentido de me cultivar por dentro, no meu amor, e com isso de ter maior liberdade para me expor, para sair de mim, e finalmente me expor sem vergonha. Pois, embora eu não sinta vergonha em defender minha fé, como que algo me retém ainda um pouco pelo menos na hora de cantar. 
 

Nesta missa, isso foi diminuindo. Eu ia vendo o padre falando e explicando os trechos que eu acabara de ler, e notava que algo havia ali de bom, de bondoso, e que não estava restrito ao costume, ou à cerimônia. Porque, nas missas, eu sempre encarava o padre e percebia como ele fazia, duvidando. Com o tempo, então, isso foi diminuindo, e agora aos poucos percebo que realmente tudo é para valer, que não é uma mera cerimônia ou espetáculo, que há algo ali que realmente aparece compartilhado comigo e forte, como se eu não cedesse na minha fé. Pois isso eu percebi mais claramente nesta missa, mais claramente nesta do que em outras. 
 

Mas a missa ia avançando e eu me sentia cada vez mais fraco. Na hora do dízimo, ou da contribuição, eu me retraí um pouco, e depois, na hora da cerimônia do pão eu me sentia fraco. Tanto que tinha que me apoiar no parapeito do lugar, para poder não cair. Pois eu estava fraco e bastante confuso. Porque por um lado eu estava literalmente dentro da missa, sim, mas por outro lado eu estava fora, meio que distante, preso àquilo que eu mesmo sentia, e que não queria necessariamente compartilhar com ninguém. Nesses momentos eu vacilo e muitas vezes começo a pensar em bobagem ou em coisas que não têm a ver com aquele momento sagrado em especial. Percebi contudo que eu não estava mais me sentindo pouco à vontade.

 

Eu estava ali, dentro daquilo, e sabendo exatamente o que fazia, o pensava e o que sentia. Era uma sensação de liberdade bastante forte, que diminuiu um pouco quando eu comunguei e quando nos ajoelhamos em função disso que estava acontecendo no nosso interior. É interessante como desta vez tudo pareceu mais simples e mais forte. 
 

Nos meus primeiros relatos de leitura, eu dei um destaque bastante grande à parte em seguida, quando o Monsenhor pega o santíssimo e percorre a igreja com ele, sendo que as pessoas ficam relacionadas com Jesus naquele relicário. Lembro-me bem que eu via aquilo, ali de cima, e que me surpreendia com algumas reações, sendo que também me deixava sujeitar àquilo, mas sem saber muito bem por quê. Desta vez, tudo foi mais calmo e mais simples de minha parte. Demorou menos, inclusive, e eu não me senti incomodado com nada do que acontecia.

 

Por outro lado, eu me sentia liberto com tudo o que havia passado, e me sentia bastante bem com o sentimento dedicado à cerimônia. Lembro-me bem de que desta vez não vi as pessoas, suas reações, e por outro lado um sujeito lá da frente aspergiu a água benta em mim de forma sincera, só para mim, meio que apostando em mim mesmo, na forma como eu havia conduzido o meu momento em particular. Foi muito bonito e me deixou uma impressão bastante forte. 
 

Há aqui algo a falar sobre as músicas. Existem aquelas que fazem costumeiramente parte da cerimônia. Outras, que são mais da tradição, e outras ainda, que foram incorporadas do repertório popular. No meu processo de conversão, fui me acostumando a todas. Houve época em que eu queria mais os Salmos mesmo, mas depois vieram outras, de cantores famosos, e outras menos conhecidas. Cheguei até a fazer uma lista em meu canal do Youtube.

 

No caso, meu gosto mudou muito de lá para cá, e reparei que algumas dessas músicas são as únicas que eu AGUENTO em determinados momentos da vida. Quando estou sendo muito exigido, ou quando estou praticamente sozinho, ou quando o dia cai, ou quando preciso de calma comigo mesmo. Notei que algumas músicas de rock clássico continuavam me pegando pelo pé, mas que em geral começava a sentir ojeriza de determinado tipo de energia, passada pelas músicas de rock e heavy metal.

 

Por outro lado, as músicas de louvor são em geral muito simples, musicalmente, muitas vezes não sofrem cuidado como as outras, e isso me incomoda. Porque meu ouvido é mais exigente, de certa forma, mas também porque não gosto de me sujeitar a música ou qualquer coisa de má qualidade. Mas ocorre que com o tempo eu me deixo levar por músicas gospel, mesmo antigas, e que isso me toma uma boa energia, porque faz com que eu me sinta mais fraco, por um lado, mas também mais compreensivo.
 

Já me vejo, durante a cerimônia, cantando com um pouco mais de vontade, mas sem chamar a atenção, nem com uma intenção de louvar em demasia. Noto, claro, que o louvor é algo bonito, e mesmo necessário, mas não é que não me renda, agora. Simplesmente quero me conduzir de forma mais singela. Por outro lado, ainda tenho vontade de cantar lá na frente, sendo que parei de cantar em casa já faz algum tempo. Pelos problemas, pelas dificuldades, sim, mas também porque não vejo mais muito sentido.

 

Muito de minha cantoria era para provar independência, e outra parte para poder lidar melhor com o sofrimento, cantando músicas muito sofridas. Hoje não vejo mais motivo para nada disso. E as músicas de forma geral meio que me dizem pouco, atualmente. Não me sinto envolvido o suficiente por elas, e começo a entender melhor como é o Rodrigo, em si, claramente. Pois é como se todo esse tempo eu tivesse me escondido. Como se não houvesse aparecido como era. Como se estivesse dormindo.

 

Pois agora isso diminui. Por outro lado, na missa eu quero sempre algo mais comedido, ao menos por enquanto. Não me vejo puxando o coro, muito embora um dia eu sei que eu vá me comportar dessa forma.
 

No final da cerimônia, o Monsenhor carregou o círio para todos os lados no santuário, e as pessoas acompanhavam. Mas finalmente eu não via isso como se fosse algo estranho, superstição, apenas. Eu sentia o valor daquilo, ao mesmo tempo em que não me deixava levar de todo. É curioso, porque de certa forma a religião conduz a tua mente e o teu corpo, mas eu mesmo sempre reluto que isso aconteça quando eu não estou de fato envolvido. Acho que é quase lavagem cerebral e mesmo sacanagem. Não gosto. No final, fomos nós à sala interna, em que o Monsenhor avisava sobre a missa de Natal, que será de duas formas, como ele mesmo disse durante a missa, e foi então que eu fui para me tirar a vestimenta.

 

A Helena me elogiou de forma efusiva, quase comovida, pelo jeito como eu comentei o trecho da Bíblia, e eu senti nisso um envolvimento até maior de parte dela. Pois ela agora parece sentir em que medida o que faço é sincero. Pus o paletó e fui para fora, entrando na lanchonete e tomando um café. As pessoas me viam, especialmente os seguranças, e me olhavam com um respeito ainda maior do que de costume. É como é.

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