
BREVE JORNADA DE UM HOMEM RUMO A DEUS POR MEIO DOS EVANGELHOS - OU UMA VERSÃO QUANTO A POR QUE A RELIGIÃO CONSEGUE MESMO SALVAR
Published on July 19, 2016
Infinitos devem ser os casos de homens e mulheres salvos pela religião. Aqui irei apenas tentar mostrar como vem se dando um desses casos, o meu. Não é uma história boba, repleta de inferências pouco rigorosas, nem nada. É uma história simples, contada de forma simples, com gestos simples, e descobertas idem.
Meu contato com a Bíblia vem desde a infância, quando minha mãe era Testemunha de Jeová e nos fazia ler a edição daquele pessoal. E vem tambem com um pequeno livro, que achei recentemente, e que eu li nos primeiros anos da infância: Escuchando al Gran Maestro, que conta a história de Jesus para crianças, em espanhol. Indico que nasci em Santiago do Chile, de uma família de classe média baixa que comprou uma casa na planta num bairro que hoje é de classe alta. Foi um ótimo negócio, aquele, e eu cresci sendo educado em escola de elite, de origem alemã, ou mesmo estadual, mas com alto nível de estudo e disciplina.
Não me lembro das leituras da Bíblia quando era criança. Mas ainda tenho a Bíblia daquela época, assim como o livrinho, e ambos têm sublinhados diversos trechos. Não tenho lido esses trechos recentemente, nem tenho refletido especificamente sobre nada disso.
Considero que hoje sou uma pessoa inteiramente diferente, sujeita a diferentes influências, e que assume uma postura diferenciada em relação ao mundo (em geral, pior). Tenho 48 anos, sou um homem separado, que mora só, e que não está envolvido emocionalmente (concretamente) com ninguém. Amo uma pessoa em especial, mas estou me resguardando também nisso, e busco me proteger de emoções descontroladas, nas quais caí muito recentemente (nos últimos meses).
De forma geral, no que diz respeito à religião, e ao meu comportamento de forma geral, eu sempre fui um garoto (e um cara) disciplinado, geralmente quieto (ou mesmo macambúzio), que gosta de estudar, que gosta de agitar, mas que nunca questionou a religião em si até o momento em que se viu diante de uma situação familiar (uma separação e uma crise profunda entre os pais e irmãos) que fez com que passasse a questionar tudo e a entrar numa crise profunda que o levou a um casamento também fracassado, a uma descrença nas relações e a uma doença incurável (a esquizofrenia), para a qual toma remédios controlados.
Virei um sujeito que se maltrata continuadamente e que passou a descrer no amor, até o momento em que apostou tudo nele e o encontrou (mas não foi correspondido). Descobri muito nesse afã de descoberta íntima, mas só me reaproximei da religião muito recentemente, com uma edição pequena dos Evangelhos, que passei a reler por acaso quando descia para desfrutar de uma pequena calma na vida (passei também a ser ajudado pela família).
Na minha trajetória, soma-se também uma carreira relativamente mal-sucedida (como jornalista), um curso de Filosofia que consegui terminar mas para o qual (ainda) não estou oficialmente gabaritado para ensinar, dois cursos de pós que não concluí (ambos, de alguma forma, em virtude da doença do meu pai), uma carreira começada mas que não consegue deslanchar como ator e diversos problemas ao fazer com que meu grupo de teatro (informal, sem sede própria) consiga apresentar algo do jeito que eu imagino (nos moldes de um teatro pobre de recursos mas bastante rico de referências).
Estou bastante endividado, por questões que não soube conduzir (em virtude da minha doença), meus relacionamentos amorosos são todos meio quebrados, com coisas mal-conduzidas, tanto de minha parte como questões das outras partes, e minha carreira como síndico se rompeu de alguma forma com minha separação, em situação íntima que eu não soube conduzir a contento.
Até há pouco tempo, eu não conseguia ter uma autoestima mínima razoável para tocar minha vida, e dependia de alguma forma de subterfúgios (fugas, por meio de algo de álcool, algo de arte, algo de sonho) para conseguir me convencer da vida que levava. Por enquanto, digo que estou numa fase de leve recuperação, me esforçando muito para tocar o que posso, e nisso a religião tem me sido fundamental. Por isso é que digo que graças a ela, se ainda não me salvei, estou sim me salvando.
Todo dia, aos poucos, lendo trechos dos Evangelhos, entrando melhor em contato comigo mesmo, com a família e com a moça que eu amo, tentando não me perder em delírios relativos a sexo, a arte, a fugas de diversas formas. Não é fácil, mas preciso confessar: sem os Evangelhos, eu não conseguiria ver uma luz no fim do túnel. Mesmo. Este relato visa mostrar como isso tem se dado.
Antes de mais nada, deixem que eu lhes diga que, concretamente, ou seja, de forma física, não acredito em milagres. Mas que, por outro lado, na medida em que sinto que tenho alma - antes, era como se eu não tivesse nada -, e na medida exata em que sinto que ela se relaciona com as dos outros e mais, com algo que eu não conheço, mas que sinto, e que me influencia, que dialoga comigo - que vocês podem, se quiserem, chamar de Deus -, e que eu tenho aos poucos sido levado a considerar um grande amigo, um guia, algo que parece me dizer como as coisas são, e que me faz emocionar, e que faz as pessoas que lidam comigo também se emocionarem com isso, eu sinto-me aos poucos sendo conduzido à trilha de uma vida que eu não imaginava para mim, e que, embora me reserve muito esforço e muita dor, parece me prometer, de forma jamais antes vista, um vislumbre de felicidade - uma felicidade à qual eu parecia ter desistido de todo, embora continuasse lutando, porque era uma felicidade que dizia respeito a valores cuja frustração havia me destruído por dentro, mas que hoje encontro em todo lugar, tão logo abro a cabeça, abro as percepções, e mais ainda, abro o coração, e o que vem acontecendo - que aqui nos interessa - é que em grande parte ou em toda parte é a leitura do Evangelho que tem me permitido entender, vislumbrar, desfrutar. Agora, neste exato momento, eu fico bastante emocionado, se querem saber, porque de alguma forma venho tentando entender como tudo tem se dado - e esta é a primeira e mais forte tentativa nesse sentido.
E eu fico absolutamente esgotado com ela, embora ela também me liberte, me dê luzes, me traga uma certa absolvição.
Digo-lhes também que, com este meu relato, não pretendo convencer ninguém de se aproximar mais da Bíblia, nem de lê-la, nem de apelar a ela de alguma forma, até porque, pelo próprio relato que vocês verão, entenderão que não adianta.
A pessoa, qualquer uma, batizada ou não, indo à Igreja ou não, lendo a Bíblia ou não, apelando a pessoas que a aproximem mais ou menos da Bíblia como um todo, dos Evangelhos ou mesmo do catecismo, não pode, a meu ver, conseguir nada se não abrir o coração, e mais, isto só se dá de livre e espontânea vontade, por meios aos quais a gente não tem acesso, e mais, não se dá, pela minha pequena experiência, de uma só vez, mas aos poucos, como que por uma decisão que é nossa mas que parece que nos ultrapassa e que, no meu caso apenas, veio acompanhada de uma série de ações minhas e de outras pessoas que não seria possível prever, e que, mais ainda, não são passíveis de controle, muito menos de cálculo.
É uma conjunção de fatores que faz as coisas acontecerem, e, a partir dessa abertura de coração, é outra conjunção aparentemente infinita de fatores que faz tudo continuar a acontecer, sempre com liberdade, suavidade, muita coerência e bastante carinho, de parte de todos os envolvidos, especialmente da pessoa que experimenta essa transformação para com ela mesma.
É algo incrível que, isto sim, me parece milagroso, e que, quando acontece - hoje aconteceu, inclusive - requer uma força enorme para se agradecer sem se emocionar de forma inadequada, para que as coisas sejam entendidas de forma tal que não seja considerado um milagre de forma inadequada - como se nós merecêssemos algo a mais, quando algo, quando acontece, sempre acontece como devido e para quem o merece -, para que consigamos continuar a ver a vida como ela é, apenas uma vida humana, na qual nós temos que ter protagonismo, e para a qual nós mesmos temos que nos esforçar, sem exigir - nunca exigir - algo em troca, sempre agradecendo, com humildade. Mas vamos à história.
Eu já lhes disse que, na minha infância, eu havia lido bastante a Bíblia com formação de Testemunha de Jeová. Mas, com o passar da idade, isso não aconteceu mais. Houve uma época em que um adepto da Opus Dei conseguiu me envolver naquele grupo, e isso meio que a contragosto meu, mas depois eu me desvencilhei. Ocorre que eu sempre senti dentro de mim uma vontade de retomar a religião, mas isso, por diversos fatores, não acontecia.
Houve momentos em que eu, em desespero, apelei a Deus pedindo "coisas" (que ele, depois eu percebi, me ajudou a ter), e também a me libertar de fixações, e a ajudar outras pessoas, mas eu sentia que algo não "entrava", que a comunicação não ocorria, que talvez eu fingisse ou exagerasse, que talvez eu jogasse para fora coisas que deveriam dizer respeito a situações concretas que eu mesmo, enquanto pessoa humana, deveria saber ultrapassar, e que portanto não deveria jogar para ele, além do mais desesperado, assim, meio que sem a disciplina necessária para que isso pudesse ocorrer.
Ocorre também que eu não conseguia, por mais que quisesse ou tentasse, entrar em contato comigo mesmo; eu meio que capengava na vida, me conduzindo com maior ou menor facilidade ou dificuldade, meio que preso às minhas próprias condições humanas, sem dar margem alguma para que algo de mais acontecesse, para que algo que pudesse fazer me alegrar por algo estranho, que não tivesse explicação causal, que poderia vir a acontecer.
E eu lhes garanto que me é difícil demais, aqui e agora, lhes demonstrar uma relação causal nisto que foi acontecendo comigo.
Houve um momento em que, ainda distante de qualquer leitura religiosa, eu comecei a entender que o amor a gente tem que dar, simplesmente, sem exigir em troca. Esse momento eu não sei como aconteceu. Sei apenas que, isso acontecendo, algumas coisas bonitas e aparentemente inexplicáveis foram também acontecendo comigo. Eu fui percebendo isso aos poucos, enquanto pirava ao tentar me relacionar com uma pessoa - lidando com meu distúrbio de forma atroz, dizendo que queria me matar, e tudo o mais.
Claro que houve uma pessoa - de nome Ivana - que num determinado local me disse que eu deveria voltar a tomar remédios. Claro que isso levou tempo, devido a meus problemas de ordem financeira. Mas houve também uma questão em especial. Que foi: eu lutava o tempo todo contra mim, e sozinho, sem a ajuda de outras pessoas, sem o carinho que alguém pudesse me fornecer, sem a orientação que alguém - por mais distante que pudesse estar - pudesse me enlevar.
Porque eu estava sozinho, embora tivesse alguns supostos amigos e amigas, embora pudesse ir em ambientes para não ficar sozinho, embora tivesse amigos e amigas que me ajudavam por meio de face, embora sempre no sentido de ajudarem o homem, e não o ser humano, ou seja, ajudarem a pessoa que eles conheciam, e não o possível desconhecido - porque, afinal de contas, o que somos todos nós, em relação a todos os outros, se não ilustres desconhecidos? Pois somos pessoas que nos casamos e depois descasamos, que arrumamos amizades que nos tráem ou que nós próprios traímos, temos familiares dos quais nos afastamos sem motivo nenhum ou por motivo fátuo, temos mães e pais ou somos mães e pais muitas vezes aparentemente mal-agradecidos, ou verdadeiramente tais.
Pois somos homens e mulheres, em separado, que percorremos nossas vidas, que não sabemos o quanto vão durar, e que nos aproximamos e nos afastamos, mas que, conforme a Bíblia diz, não temos onde descansar. Ou seja, estamos sós, o tempo todo, e muitas vezes buscamos alívios estranhos ou desesperados ou absolutamente descompromissados a nossas solidões. Eu era só, e assim me considerava, e assim me tratava. Mas, ao aprender, não sei bem como isso se dando, que o amor a gente apenas dá, sem esperar nada em troca, algo parecia aos poucos acontecer.
Mas acontecia muito aos poucos. Claro, eu também me superava. E escrevia a respeito. Escrevi - um dia contei - nada menos do que 1,3 mil páginas em word espaço 1 em menos de 9 meses, e após tudo isso eu acredito ter aprendido alguma coisa. São assuntos os mais diversos, os conectados nessas 1,3 mil páginas, mas a maioria que algo têm a ver com o amor de forma geral, amor romântico, bem ou mal correspondido, algo sobre demonstrações de amor, e tudo o mais.
Seja como for, enquanto isso, eu tentava viver, sem remédios, sem conseguir me controlar às vezes, e depois pedindo desculpas, para continuar a cometer besteiras. Seja como for, houve aprendizados, e um deles foi esse: de que o amor se dá, e que quando vem em troca é lindo e maravilhoso, mas que antes de mais nada ele deve ser dado, de graça, sem esperar nada. Um dia talvez eu faça um artigo específico sobre isso. Sei apenas que essa lição eu havia aprendido.
Ocorreu que, nas minha andanças atrás de trabalho, ou correndo a vida fazendo pequenos trabalhinhos aqui e acolá, eu conheci uma garota que entrou em contato comigo porque buscava... trabalho. Ela entrou em contato comigo numa rede social, e eu lhe disse minha situação, mas ela mesmo assim se interessou naquilo que eu fazia. Isso levou algumas semanas, sendo que nenhum de nós conseguia efetivamente algo que pudesse tirá-lo do lugar.
Ocorre que essa menina, que mora em outra cidade, e que eu ainda não conheço pessoalmente, sofre de um transtorno psiquiátrico de alguma forma similar ao meu e cuida da mãe (que por sua vez cuidou dela, com amor, nos períodos em que ela passava por maior crise). Aos poucos, essa menina, dizendo que só fazia o que a mãe havia feito para ela, me convenceu de que minha mãe estava preocupada comigo e de que eu deveria voltar a me medicar, e de que deveria haver um jeito para isso. Eu tentava imaginar, mas não conseguia.
Sei que fui diversas vezes a UBSs próximas à minha residência, sempre dando tudo errado, e que o que me motivava em especial nem era mais o meu bem, mas o fato de que ela me disse que minha mãe se preocupava comigo e que eu precisava então me cuidar. Lembro-me de que eu me esforcei MUITO para ir a alguns lugares, e que mesmo meu contato telefônico com minha mãe era difícil (eu lhe contei isso que a menina meio que me obrigou a fazer, cuidar de mim mesmo, pelo meu amor à minha mãe - que eu mal sentia, preciso admitir, a tal ponto eu estava afastado de todos e de mim mesmo).
Lembro-me de que minha mãe, inspirada em meus esforços, encontrou uma forma de fazer uma terapia de grupo perto da casa dela. Mas lembro-me em especial de que a garota me disse, segue os esforços de tua mãe, acompanha ela, e consegue tratamento.
Ocorreu então que eu me vi num atendimento voluntário numa unidade de saúde do lado da casa de minha mãe, em companhia dela, e que eu fui motivado a dizer o que havia me levado até lá. Lá estando, eu resolvi, do meu jeito, falar a verdade, e toda ela, inclusive que quase havia me matado há três meses (daquela data), o que minha mãe ouviu desesperada, quase chorando, mal conseguindo acreditar no que ouvia.
Mas, ao mesmo tempo, com meu conhecimento da vida, eu soube distinguir os momentos de cada coisa, e respeitar minha mãe, e tudo saiu a contento, sendo que a psicóloga presente me orientou a ir a um AMA pegar o remédio de urgência, e mais, a começar o tratamento no SUS, mesmo com a distância temporal em que provavelmente eu poderia ser atendido. E aconteceu que isso deu certo.
Fui, a muito custo, pensando apenas no bem que eu faria, ao AMA, peguei os remédios e passei a ser medicado a respeito. Mas é bom dizer aqui que fui concentrado não mais em mim, mas na palavra que eu havia dado à garota e à minha mãe, e também na ideia de verdade que tudo envolvia. Ou seja, eu havia me disposto a falar apenas a verdade, e ela é que fez com que tudo começasse a acontecer. Note-se também que a menina que meio que me obrigou a me tratar fez isso por amor a mim (como desconhecido) na medida em que apenas foi ajudada da mesma forma pela mãe, sem que isso envolvesse nada de religião (não nos esqueçamos que esta história visa ressaltar o poder da religião).
Mas notem que é um amor de desconhecidos, é um amor de estranhos, uns com os outros.
Nessa época, eu visitava minha mãe, saibam. Mas a gente não se dava muito bem. Ela parecia não me ouvir, eu parecia não entendê-la. Até o momento em que eu lhe disse que eu havia decidido só falar a verdade. Ali, naquele momento. Foi um arroubo. Eu estava cansado de tentar acalmá-la, de dizer-lhe que estava tudo bem, quando não estava, e foi então meio que como um gesto de amor que eu lhe disse que iria só lhe falar a verdade, e a verdade era dura, meus problemas financeiros, minhas dívidas nas prestações, e tudo o mais. Mas o que importa não é o que fizemos depois para saná-los.
Foi que ela disse, ah que bom meu filho, porque você sempre mentia tanto, uma resposta que me surpreendeu, mas eu não disse nada. Eu não disse que havia me surpreendido essa sua resposta. Depois, aconteceu que ainda passei por poucas e boas, mas, mais ainda, que a minha irmã lhe perguntou sobre mim, e ela, minha mãe, com base em meu exemplo, falou-lhe a verdade, e ela se dispôs a me ajudar, o que está acontecendo.
Mas o que é mais importante aqui foi o exemplo, e foi o fato de que minha mãe se emocionou com o que ia acontecendo, e que aos poucos a gente iria se aproximando enquanto almas, pelo menos - ainda não nos encontramos novamente. Mas uma coisa é certa, e que passou a acontecer a partir de então: em mim.
Ocorre que, até aquele momento, eu ainda era meio que um coração "peludo", duro de roer, e que precisava entender, em si mesmo, o gesto de minha irmã e minha própria situação na hora. Porque era estranho.
Logo eu, que fiquei anos sem ver a família, e que arrumei tanta encrenca com qualquer possível reaproximação (embora minha irmã também dificultasse um pouco), agora era ajudado, assim, sem mais nem menos, e ainda com muitas dificuldades precisaria lidar com a nova situação.
Lembro-me bem de que eu passei a descer ao jardim do condomínio onde moro. Lembro-me bastante bem que vi o ambiente circundante uma madrugada (tenho insônia, e para isso tomo remédios), e que de repente eu senti que precisava abrir o coração para entender aquilo.
E foi então que eu percebi que minha ferida estava lá atrás, quando a família se separou, de vez ou aos poucos, e quando passei a descrer de montar família, e quando montei família com minha ex-esposa, com descrença, e como isso me levou a jogar tudo para o alto, na medida em que minha descrença fez nada dar certo.
Foi então que vi o real papel de cada um, e entendi o papel de minha irmã, e principiei a olhá-la com carinho, como a irmã que eu havia tido, e da qual havia me afastado. Lembro-me que isso abriu algo em mim, e que eu me sentia livre de uma forma estranha, como nunca antes, que não era apenas algo meramente familiar, mas algo que parecia dizer algo maior, e que esse algo me atingia, e que fazia com que eu me sentisse melhor.
Essa sensação foi breve e leve, mas foi como que uma espécie de unção, e algo que realmente, naquele momento, me libertou de um passado que me atormentava, e que eu ainda tentava entender - e que naquele momento se tornou, em poucos minutos, diria apenas uns 2 minutos, absolutamente claro.
Eu meio que, de alguma forma, voltava a ser esse menino que havia desistido da felicidade de ter uma família, e que agora se via às voltas com a família de antes, sozinho, mas acompanhado, e não apenas da família, mas de algo mais, que parecia ser Deus. Eu me sentia estranho, realmente, mas não tanto. Era como se um peso tivesse sido retirado de minhas costas, e tudo num instante, facilmente, num lugar que eu ainda visito como se fosse o meu santuário.
Acontece que eu estava já me aproximando da religião novamente. Passava em frente à igreja aqui perto, no centro de minha cidade, e queria entrar. E entendi, quando esse tipo de revelação me ocorreu, que eu precisava agradecer. E para isso fui a um canto do jardim, um canto que fica escondido de tudo e de todos, às escuras mesmo, e cheguei até a me ajoelhar para agradecer.
Ocorre que naquele exato momento algo me ocorreu. Eu olhava para uma figura que parecia a cruz mas não era, como se eu pudesse fingir que fosse, e sentia que havia algo errado. Que eu ainda não podia fazer isso. Que eu devia agradecer, sim, porque alguma graça me havia sido dada - eu estava ouvindo áudios sobre isso, sobre a questão da graça ser dada, ser ministrada ou não -, mas que eu não devia ainda me meter a me ajoelhar ou a rezar.
Mas, mesmo assim, eu resolvi rezar o pai nosso, que veio suavemente, singelo, sem forçar, sem nada, e eu percebi que fazendo assim eu fazia o que devia. Note-se que eu me aproximei da religião, me reaproximei, porque senti que devia, que algo me havia sido dado, talvez sem eu o merecer, e que eu deveria agradecer. Novamente, algo me havia sido dado, como que a mim, um desconhecido, solto no mundo, sem ter o que fazer, sem saber o que fazer. Como diz a Bíblia, que o ser humano não tem onde descansar sua cabeça. Porque eu nunca me senti descansando realmente a cabeça no apartamento que é meu e que minha família está me ajudando a pagar, e a não perder.
Eu já disse que eu já buscava me aproximar da religião novamente. Mas aconteceu, creio que nesta época, que passei a andar com uma pequena edição dos Evangelhos, pela Paulinas, verde, no bolso. E que passei a olhá-la, mas não muito detidamente. Minha situação financeira está ainda tão ruim que praticamente o único lazer que me dou é descer umas ruas em direção a um bar-lanchonete e tomar um café. E nem isso praticamente faço ainda, displicente com minha saúde e minha alimentação.
Nessa época, eu estava contando os tostões (e isso acontece costumeiramente) para ou pagar uma conta ou comer. Já fiquei um tempo sem nada em casa, realmente, mas algo - alguma providência, que explico melhor depois - parece ter me salvo. Destas vezes, quando desço do apartamento, ou é para jogar o lixo, ou para ver se o apartamento dela está com as luzes acesas, ou é para sair e andar um pouco. É nestas andanças que aconteceu de eu levar os Evangelhos e de acabar lendo trechos da Bíblia no bar. Mas aqui tentarei ao mesmo tempo ser mais breve, menos explícito, e mais esotérico.
Ocorre que lá no bar eu passei a abrir a Bíblia em trechos por acaso. E - não sei se pelo efeito da doença ou do remédio, na verdade nem acho que se deva a nada disso - acabo me emocionando. Os trechos que acabam caindo falam tão diretamente a mim! Eu me sinto meio que enlevado pelos trechos, na verdade, e os entendo completamente (ou quase). Mas ocorre que a emoção que passou a me invadir na sua leitura ultrapassou o âmbito do normal. Era estranho.
Os trechos, sempre que os li, como que me diziam diretamente ao coração, como que me explicavam O LUGAR que eu ocupava na lide de sair do lugar onde estou para ir a um lugar que já teria sido determinado - mas que eu teria que ter capacidade de ocupar. Foram, na verdade, umas quatro ou cinco vezes em que isso aconteceu. E sempre aconteceu tão forte. Tanto que no bar-lanchonete eu tive que me conter. Eu não podia chorar no meio do bar. Mas aquilo que me batia batia sem que eu percebesse, meio que entrando no meu coração, que passava a se abrir, e que me dizia coisas que antes nada conseguia me dizer.
Era estranho também porque essas mensagens eu as decifrava e entendia o que elas queriam dizer, e não me diziam nada em particular, nada para a minha vida, em particular, naquilo que ela tem de concreto, mas para minha alma, como se as palavras que eu estava lendo batessem direto na minha alma, direto mesmo. Porque era como se, a partir daquele momento em que eu abri um pouco meu coração, meu coração passasse a transbordar de alguma coisa, e o Evangelho me mostrasse o que era isso.
Era muito estranho, e ainda é muito estranho, eu não consigo explicar direito.
Acontecia também que, ao descer, eu ia pensando alguma coisa, e por algum motivo que eu não sei bem qual é certas questões ficavam resolvidas, como ao chamar-lhe (a ela) a atenção, ou como ouvi-la, ou sentir como minha mãe estaria naquele momento, era como se a vida resolvesse de repente me invadir e explicar as coisas, essas coisas que pelo meu raciocínio eu não conseguia entender. Isso acontece muito aos poucos, nunca se eu o espero, nunca da forma como eu espero, sempre com mensagens que eu não sei bem o que significam, mas que fazem com que eu me sinta leve, e livre, e não sinta que nada me apoquenta, nada me perturba.
É muito estranho, isso, porque acontece em momentos em que desço uma escada, ou em que penso em alguém, ou quando não penso em nada e surge o sol, ou surge uma nuvem, eu não sei explicar. Sei apenas que, antes ou depois ou durante algum momento em que penso algo sobre religião, ou não penso nada, mas penso livremente com o coração, as coisas aparecem, e os problemas parecem de repente desaparecer. É tão estranho! Não são milagres, nem são pequenos milagres, são coisas que antes não apareciam, que antes eu não conseguia viver, porque estava preocupado, ou porque simplesmente não conseguia enxergar um palmo à frente do meu nariz.
Como eu, na minha superstição (que não tenho mais), pensava que os trechos queriam me dizer algo em específico, passei a anotar as páginas em que os versículos estavam. Mas isso funcionou somente em parte, porque passei a confundir as páginas. Ou seja, eu estava querendo fazer uma cadeia causal entre o meu andar, o andar de minha vida, e as lições que os versículos me passavam. Isso funcionou em parte, como disse, porque passei a confundir os trechos, e a não conseguir conectar uma coisa com a outra.
Ocorre que, quando passei a ver tudo de forma mais leve, os trechos continuaram a me afetar fortemente, mas tudo passou a ocorrer mais livremente, e eu passei a entender que estava mais pronto para algumas coisas, para alguns trechos, para amparar algumas lições que estavam escondidas. Seja como for, eu notava que havia permanecido muito longe fora da palavra, e que devia voltar a ela. Porque ela me dizia muita coisa, tanto por aquilo que dizia, quanto por aquilo que aparecia de outras formas, por outros meios, para outros fins.
Porque eu sentia que estava com isso realmente vivendo, e as pessoas que eu encontrava pareciam me dizer a mesma coisa. Eu não estava pirando, acreditem. Eu simplesmente sentia a mensagem do que se passava de um jeito que nunca antes eu conseguira sentir. É como se ao se abrir um pouco o coração as coisas aparecessem a ele como nunca antes. Como se antes não tivesse tido coração.
Não nego porém que às vezes, enquanto isso acontecia, ocorria uma dor profunda, como se algo quisesse sair de mim, ou como se algo quisesse entrar, pois era como se meu coração, feito de pedra, fizesse um risco nele e algo saísse a todo vapor, e a dor às vezes aparece de forma tal que, estando eu em casa, chego até a gritar de dor. Isso é muito estranho, por vezes, e não ocorre tanto em lugares públicos, mas também ocorre, de forma suave, como se em público as coisas fossem me ser oferecidas. E é o que acontece.
Deixem só lhes dizer que não estou, com o que digo, afirmando que as mensagens da Bíblia, capturadas dessa forma, parecem querer se comunicar comigo, como se dissessem uma mensagem escondida. Não digo isso.
Digo que, sob certas condições, quais sejam, a abertura de coração, certas mensagens da Bíblia, talvez sob condições específicas, falam a tal ponto na pessoa que está sofrendo - ou na pessoa comum, em condições comuns -, que ela parece melhor se comunicar consigo mesma e com os outros, e talvez com a eternidade ou o mundo em geral, e que nesse sentido essas mensagens, recebidas de determinada forma, para quem sofre, parecem estipular condições de existência que motivam a pessoa a sair de seu estado, e que com isso levam-na a se superar, num contato cada vez mais estreito com Deus e com aquilo que está sendo dito.
Porque, para quem abre o coração, aquelas frases, e aquelas verdades, que podem ser entendidas por verdades dessa forma, parecem dizer tanto à pessoa que as ouve ou as lê que só isso a faz sair de um estado de catatonia ou ensimesmamento e passar a olhar para as outras pessoas, os desconhecidos, para o mundo - que em muitos casos pode estar desaparecendo, para esses que recebem a extrema-unção -, para Deus e para a eternidade de uma forma que traz paz, antes de mais nada, e encontro, acima de tudo.
Os problemas parecem ficar para trás, quando isso acontece, ou se tornam algo passível de ser resolvido, por outro lado, ao invés de assumirem uma urgência ou uma dor tamanha que impedem qualquer resolução, por menor que ela seja.
Ontem, aconteceu-me isso, e embora eu talvez nem deva falar a respeito, falo. As frases da Bíblia não me diziam nada, mas tão logo eu me dispus com sinceridade a abrir meu coração e a falar com ele, com Deus, ou - se quiserem - com algo maior, as frases passavam a entrar e a me trazer consolo e paz. Foi muito estranho, e durou relativamente pouco, mas durou o suficiente para mostrar que era verdadeiro, e só não durou mais porque tive que sair e resolver em mim mesmo algumas questões.
Vejam que não me sinto nem estou curado, de alguma forma, tendo resolvido meus problemas de ordem concreta ou pessoal, mas me sinto nessa direção, e especialmente quando leio os Evangelhos e eles parecem me ajudar a abrir ainda mais o coração. Porque a questão está nisto, em abrir os corações. Porque ontem eu disse a ele, por favor, Deus, me faça enxergar, me permita ver, para conseguir te ver acima de tudo, se você quiser.
Lhes digo também que não estou alheio dos efeitos que esse reencontro podem causar numa pessoa que, esquizofrênica, tem tanta dificuldade em se contactar, em entrar em contato consigo mesma, e nos efeitos que mensagens de reencontro e de ensimesmamento, acima de qualquer outra coisa, de dependência em relação a outras pessoas, ou em relação a situações, de alheamento em relação a si mesma e de domínio de si por paixões ou por situações que a fazem se perder, podem ter em si mesma, porque no fundo o que a religião prega é essa religação, é esse reencontro, é esse melhor entendimento de si no outro, mesmo que esse outro seja uma figura que a pessoa imagina ou o mundo como um todo.
Porque de fato, quando eu leio agora - digo agora - a Bíblia sob determinadas condições, e tendo aberto meu coração, ao menos um pouco, eu noto que realmente as mensagens que aparecem e que tanto me afetam parecem de alguma forma meio milagrosas, como se fossem algo que realmente me dissesse tão fundo que me fizesse abandonar tudo o que eu era ou o que sou, e me tornar uma outra pessoa, dominada por uma aparência de bondade que no fundo nada tem de aparente, mas que tem tudo de real, por dizer tão fundo em mim. Isso me acontece nos momentos em que me meto a refletir em mim, em que me sinto preso a uma bondade que no fundo não me prende, mas que me faz sentir mais perto de mim mesmo, e que no fundo me torna mais preso a mim mesmo, e a forças superiores, que parecem querer falar comigo, e que falam de forma absurdamente intensa, como poucas coisas antes, ou como quase nada antes.
Deixem-me lhes dizer o que me aconteceu hoje, só como exemplo, e daí - com algumas considerações finais - finalizo meu relato. Eu acordei cedo, mas por alguma razão, talvez o frio, e a doença, eu não consegui me concentrar devidamente até por volta do almoço, quando desci, peguei uma correspondência, vi e conversei brevemente com um desafeto e com alguns amigos de jornada, e subi.
Deixei a correspondência enquanto refletia sobre o desafeto, que apareceu depois, e que evitei - é um amigo de alguma data que pelo visto tentou me enganar e que jogou nossa amizade na fogueira por causa disso -, falei com as amizades e desci, bastante confuso, sem conseguir me concentrar em nada em especial e sentindo que eu não merecia sequer o almoço, dado não ter feito nada de produtivo até aquele momento.
Ocorre que enquanto esperava o almoço eu peguei a bibliazinha e li o seguinte trecho, pego ao acaso (e que depois fiz questão de guardar, talvez para dizê-lo aqui neste relato - eu não havia pensado nisso). Mateus, 24, 45. "Qual é o empregado fiel e prudente? É aquele que o Senhor colocou como responsável pelos outros empregados, para dar comida a eles na hora certa. Feliz o empregado cujo senhor o encontrar fazendo assim quando voltar. Eu garanto a vocês: ele colocará esse empregado à frente de todos os seus bens. Mas, se for mau empregado, pensará: 'Meu senhor está demorando'. Então começará a bater nos companheiros, a comer e a beber com os bêbados. O senhor desse empregado virá num dia em que ele não espera, e numa hora que ele não conhece. Então o senhor o cortará em pedaços, e o fará participar da mesma sorte dos hipócritas. Aí haverá choro e ranger de dentes".
Pois bem, quando eu li esse trecho não me emocionei em particular, mas pensei em meu destino, e em como não pareço - ao menos naquele momento - fazer jus ao almoço que eu iria receber, e não pensei necessariamente na questão de o senhor aparecer na hora certa, nem numa hora determinada, nem nada disso.
Então, fiz uma contrição breve, imperceptível às pessoas que estavam ao meu lado, e almocei pensando naquela que me deu a comida, de certa forma minha mãe, e em agradecer a ela, por isso e por muito mais. E almocei nada preocupado, mas pensando naquilo que eu deveria fazer, e eis que me decidi descer e ir à agência de banco onde entro costumeiramente e de onde lhe ligo, pois estou sem celular.
Eis que chegando lá eu lhe liguei diversas vezes, mas ela não atendeu, então eu fui, consultei meu saldo, vi que havia um pouquinho ali, e me decidi a retirá-lo, o que fiz, mas não fui embora sem antes deixar de tentar falar com ela novamente, o que consegui. Ela ficou realmente feliz que eu lhe ligasse, e me disse que iria ligar à minha assistente e amiga para o encontro delas, e ela me disse que estava fora, mas que havia chegado logo naquele momento, e me agradeceu, e me disse dos meus irmãos, e eu lhe pedi que não falasse mais se não eu iria chorar no meio da agência.
Em suma, eu fiz um pequeno ato de amor, de agradecimento, e ela me agradeceu e ainda por cima, me mostrou como não estou só nesses meus sofrimentos - segundo os quais eu sempre ou quase sempre me sinto inapelavelmente só, realmente. Pois foi então que eu peguei a peguena grana que peguei no banco, comprei uns doces e subi. Foi então que cheguei em casa, e com muita dificuldade mas me esforçando muito me inscrevi em algumas vagas e consegui alguma esperança daquilo que possivelmente me espera, e que envolve um dinheiro que pode me fazer um bem bastante grande.
Mas isso se restringe então àquilo que tentei fazer. Foi então que pensei em descer novamente, tomar um café, pensar nela - que está longe -, e pensar em mais alguma coisa, além de em ler algo novamente de meus Evangelhos. Eu confesso que esse meu desejo era pequeno e breve, limitado ao pequeno dinheiro que eu tinha, e que precisei me agasalhar bastante melhor para descer, porque o dia estava bastante frio.
Desci e fui ao café novamente, sem tentar forçar nada, nenhum pensamento, mas eis que pensando com o coração, como fui me habituando a pensar pensando em Bíblia e tudo o mais, cheguei a conclusões que estavam apenas pela metade e que no fundo exigem de mim uma verdadeira mudança, uma mudança de ser, algo em termos de acreditar e tudo o mais, e em termos de olhar melhor para mim, e também para ela, mas dando tempo ao tempo e sem exigir-lhe nada de tão drástico, e ao mesmo tempo lidando com ela como mulher, ela sendo a pessoa com que melhor me dou ultimamente.
Chegando no café, fui me habituando ao local, e às pessoas que me atenderam, e abri a Bíblia pequena em outro lugar, outro trecho que irei mostrar aqui, e que desta forma me emocionou, mas eu não deixei que transparecesse (aqui eu já pensava em escrever esta conclusão do artigo, e nesse sentido está tudo entre irmãos).
Nesse momento eu li um trecho, e depois, lendo mais para cima, outro. Mateus, 11, 1. Quando Jesus terminou de dar essas instruções aos seus doze discípulos, partiu daí, a fim de ensinar e pregar nas cidades deles.
E depois.
Mateus 10, 40. "Quem recebe a vocês, recebe a mim; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta, por ser profeta, receberá a recompensa de profeta. E quem recebe um justo, por ser justo, receberá a recompensa de justo. Quem der, ainda que seja apenas um copo de água fria a um desses pequeninos, por ser meu discípulo eu garanto a vocês: não perderá a sua recompensa".
Eu lhes digo, e garanto, que não sei muito bem, AGORA, por que fiquei emocionado quando li esses trechos. Li o primeiro e senti que ele iria levar a outros âmbitos, e li então o que havia antes, e entendi que ao receber o que estava recebendo eu o estava recebendo de alguém maior, de alguém maior do que eu, e que portanto eu me sentia bem com isso, e sentia que estava fazendo o bem com o que estava fazendo, e que estava no caminho certo, muito embora minha trajetória não tivesse ainda mudado muito com o que havia feito, nem que eu tivesse falado com meus irmãos, ou que tivesse reatado com eles (na verdade eu me sentia reatando em coracao), ou que tivesse feito algo de especialmente bom nisso tudo.
Ocorre que antes de eu descer novamente eu havia combinado uns encontros profissionais, e mais ainda, ela havia me dito que minha mãe ligara, e ela me perguntara se eu podia me encontrar com elas, o que iria dar uma satisfação ainda maior à minha mãe, com o que concordei, desplazando um pouco um compromisso de lugar, e com essa sensação de bem estar foi que eu desci, e com essa sensação de estar fazendo algo de bom, no limite de minhas condições, eu sentia que estava cumprindo o desígnio para o qual fora feito, e para o qual acordara, e pelo qual me esforçara.
Porque, ao ler a Bíblia naquele trecho, meio que isso se confirmava, e eu sentia que tudo passava a fazer um sentido ainda maior, mais bonito, mais singelo, e que incluía outras pessoas, incluía outras gentes, outros destinos, e outras felicidades das quais eu fazia parte, porque novamente, eu não estava só, e estava Deus no comando.
Porque eu me sentia bem com tudo isso, e com essa sensação entendia as frases que ouvia na rua, e me afastava do que era ruim - mensagem do que eu lera no almoço - e me aproximava dos meus entes queridos, e fazia o correto ao tentar me reaproximar de quem eu amo, mas sem cobrança, sem dor, sem sofrimento desmedido, sem crise.
Pois bem, eu li os trechos dos Evangelhos e subi, sem conversar com ninguém, imerso em meus pensamentos, que não eram religiosos, nem rezei nem nada. Simplesmente subi, sentindo - digo, sentindo - que tudo aquilo fazia sentido, que os trechos meio que me conduziam rumo a uma vida para a qual eu teria que me esforçar muito, mas na qual eu não estava sozinho, e acompanhado de meus familiares - que nem iriam saber de tudo o que aconteceu -, longe de pessoas que considero inadequadas às minhas pretensões, podendo me dedicar àquilo que posso, e sabendo de meus limites, estando também preparado para agradecer por tudo aquilo que me é dado continuadamente, e que discursos como esse que pus anteriormente, a partir de um post da Priscila, parecem levar a nada, como se uma pessoa fosse errada, como se não tivesse ninguém consigo, como se estivesse abandonada a si mesma, sem ninguém do lado, sem o apoio das pessoas, de Deus, e dos desconhecidos, mas num mundo em que ela tem que escolher ficar de um lado, pois é isso o que os Evangelhos colocam claramente, que nada é dado sem sobreaviso, que as pessoas estão sempre chamadas a acertarem ou a errarem, e que, estando completamente imersas em casos citados sem cessar nos Evangelhos, elas têm conselhos a que podem seguir, se quiserem, claro, mas, mais ainda, se abrirem o coração - porque é uma coisa que eu noto, sempre que falo algo para alguém, que quando a pessoa abre o coração, e isso pode acontecer com qualquer um, a pessoa assume um respeito maior, algo que faz com que seu relacionamento comigo mude, e que faz com que passe a assumir, em relação aos outros, posturas em geral mais compassivas, muito embora, em muitos casos, não necessariamente conlleven uma mudança efetiva, um ato, uma ação. Porque o que acontece com as mensagens que leio nos Evangelhos é que elas parecem motivar uma abertura interna; ocorre que para que essa abertura ocorra é preciso que a outra pessoa ouça, leia, preste atenção, dê importância a tudo isso, daí o chamado para que as pessoas abram não a cabeça, como os doutos e sábios, mas o coração, a partir de momentos narrados que a gente, quando sente, sente que são verdade e que nos aproximam mais e mais da crença, e de Deus, e sendo assim nos libertamos, mesmo que formos morrer logo em seguida, quando atravessarmos a rua, ou se formos perder tudo, porque temos Deus conosco e sabemos que ele está do nosso lado, porque ele ESTÁ realmente do nosso lado, como nós sentimos. Ou seja, são redes de significados que abrem nossa cabeça tão logo abrimos nosso coração e que nos fazem ser libertos do mal e da tentação. Estamos livres de tudo porque estamos com ele.
Notem que eu em nenhum momento tento forçar a narrativa. Tudo isso é o que ocorre dentro de mim, que agora eu pude explicar passo por passo. Não é invenção, nem forçação de barra. É real, e é tão lindo que nem consigo explicar a vocês. Mas em si isso nos muda por dentro, mas nós temos também de mudar, e mudarmos cada vez mais. É isso.
Espero que tenham gostado. Exigiu-me muito escrever tudo isso, e chorei várias vezes durante o processo. Obrigado.