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Este domingo, 7/5, eu fui convidado e fiz uma das leituras (a segunda) na missa das 15h, no Santuário Santa Terezinha, em Taboão da Serra, onde moro. Eu havia sido convidado há alguns fins de semana, pela esposa do diácono permanente, a Helena, após algumas semanas em que participei da Catequese de Adultos (como catequisando).

 

Lembro-me bem: ela me chamou após a apresentação da Paixão no Santuário, em que eu representei parte do povo, e surpreendi por minha entrega ao papel, e eu lhe disse que aceitava, claro, mas que eu achava que ela teria de falar primeiro com o Igor, o catequista, para ver a questão do horário. Ela falou que tudo bem.
 

Este domingo, bem pela manhã, quando cheguei no Santuário, ele me falou da boa nova. Eu não me comovi, e nem senti o evento como algo efetivamente importante para mim (embora seja importante, de forma que eu ainda luto para aquilatar). Participei da sessão da catequese, o convite foi comunicado às pessoas presentes, eu não estranhei nem me senti desconfortável, tomei um café, olhei um pouco a missa que estava ocorrendo, e fui para casa, me preparar.

 

Eu não estava tão em condições de asseio para tal, na hora, mas tomei um bom banho, me aprontei bastante bem, e fui. (Com respeito ao asseio, minha doença e minhas condições fazem com que eu frequentemente não me dê a devida atenção, ficando alguns dias sem tomar banho, dormindo com a roupa do corpo, ou mesmo lutando arduamente para tomar um banho, mas apenas quando estritamente necessário. Neste caso, era necessário eu ficar bastante bem, asseado e cheiroso, para não causar má impressão, pelo menos, mas também pela solenidade, pela missa em si).
 

Cheguei com o Santuário ocupado pelo pessoal do Terço dos Homens, um movimento do qual fazem parte alguns membros do santuário e em que eles rezam o terço na capela, postando-se de ambos os lados do Presbitério. O terço é conduzido por homens da região, com formação variada, mas em geral bastante humildes, o que dá para perceber pela forma com que rezam o terço em público, com bastante dificuldade às vezes. Como sempre, eu me aproximei do Presbitério, me ajoelhei de uma penada só, fiz a cruz e fui me postar em algum lugar na plateia.

 

Foi quando um senhor, de origem japonesa, parecia me chamar lá do lado dos homens do terço, e parecia me convidar a fazer parte deles. Eu estranhei um pouco, até perguntei se era comigo mesmo, mas fui. O senhor me convidou então formalmente a fazer parte do grupo, eu lhe perguntei se ele fazia mesmo questão, ele disse que sim, e - olhando o Igor, que estava lá em cima, e que me via ao longe - eu aceitei. Me postei ao lado de um outro sujeito e me preparei, com meu terço - que trazia pendurado - para entrar e fazer parte daquela pequena cerimônia.
 

Eu tinha dificuldade de rezar o terço. Achava aquilo vazio e automático demais. Sentia que as rezas pareciam constar por constar, que não pareciam acrescentar algum significado real, que aquilo era mais uma cerimônia para constar, apenas. Aqui, ao lado daqueles homens, a impressão não se modificara.

 

Eu sentia que eles estavam meio que puxando uns aos outros, e meio que se dedicando pensando em outras coisas. Não sentia que havia uma real dedicação ao momento, e àquilo que tudo isso quereria significar. Percebia que os sujeitos se movimentavam uns em relação aos outros, que se cobravam de alguma forma entre si, e que o aspecto mais profundo, religioso mesmo, se perdia.

 

Fiz a leitura de minha parte, com meu colega, sendo que eu via as pessoas nos acompanhando, como eu mesmo os acompanhara, antes. Eu já me habituara a palcos, a estar num lugar sendo visto por todos, então não ficava especialmente emocionado. Por outro lado, queria atribuir uma característica bastante pessoal àquilo que era dito, mas sentia também que havia uma certa arrogância de minha parte ao querer isso.

 

O cerimonial continuou, com outras duplas, até que foi terminando, com dizeres bastante efusivos por parte do líder, com o qual eu havia falado anteriormente, mas não me sentia muito à vontade com tudo o que acontecia. Quando terminou, fui direto falar com o Igor, que me esperava para podermos nos aprontar para a cerimônia que iria acontecer. Ele me deixou terminar minha parte no terço e depois me motivou a continuar, o que fiz até o fim. Ele devia pensar se aquilo tinha realmente algo a ver comigo. Não sei o que pensou.
 

Depois do terço, o Igor pegou minhas coisas e foi guardá-las. Depois, conversamos um pouco, no santuário mesmo, mas distante, sobre como ele fez sua passagem de leituras para catequista, e fui entendendo que minha trajetória vai na mesma direção, embora não esteja nada resolvido a respeito.

 

Sou apenas um catequisando que foi convidado para fazer leitura na missa. Daí fui vendo as pessoas chegarem, e ele me levou até o púlpito (atrás dele), para ver os trechos que eu teria que ler. Pareceu-me haver bastante descompromisso ao ir até aquele lugar, e que os livros estavam ali, soltos, meio que à disposição de qualquer um que fosse autorizado a entrar. Vi o livro, com a liturgia, o Igor e a Helena acharam o trecho do dia, e em seguida a Helena me pediu que eu lesse. Eu li, mas um pouco rápido, e ela pediu então que eu lesse de novo, mas um pouco mais devagar. Fiz o que ela quis, e ela gostou bastante. Pediu-me para que eu lesse dessa forma.

 

Foi então que o Igor foi pegando as vestes e eu fui me vestindo também. Percebi que minha veste tinha uma bala de goma no bolso direito e eu a comi. Daí fui reparando nos crucifixos que cada um tinha posto em si, sendo que o Igor tinha um bem grande, dado de presente pelo diácono Otávio, que foi seu padrinho de crisma, quando ele se crismou.

 

Daí fui notando que meu crucifixo parecia muito pequeno e tímido, e percebi que eu tinha em mim um crucifixo que minha mãe tinha me dado, que havia sido do seu avô, e que havia sido comprado em Roma (é bem bonito, repleto de significado para ela e para mim). Resolvi vesti-lo e coube bem. Eu me sentia bastante bem na ocasião, vendo as pessoas nos olharem de longe, e vendo que a gente, por mais que quisesse passar despercebido, chamava alguma atenção. Mas eu não queria chamar a atenção.

 

Por outro lado, percebi que a solenidade da cerimônia não era vestida por aquelas pessoas, e que elas se comportavam como se estivessem numa ocasião que precisava ocorrer, com elas, cada uma com sua função, mas que não parecia adquirir um tom grave.

 

Foi quando um padre subiu ao Presbitério, e começou a animar as pessoas. Bem a animar, mesmo, como se estivesse preparando o terreno para algo que iria vir. Estávamos distantes, formalmente, e eu sentia que as pessoas cantavam e se deixavam levar pela fala do padre, mas que não havia uma empatia muito grande com tudo aquilo, ao menos por enquanto. Por sua vez, não sentia que havia nada de muito interessante naquilo que ele dizia, era algo que não me tocava muito, que não me afetava demais, que não dizia muita coisa à minha fé.

 

Eu estava me sentindo como um funcionário, requisitado para cumprir uma função, assim como seria se fosse um ator ou um funcionário de um escritório de advocacia. Claro que a ocasião me agradava, e de vez em quando pegávamos em nosso terço e cantávamos, ou nos relacionávamos com aquilo que acontecia. Mas tudo era meio distante, não muito próximo a mim, enquanto pessoa que acredita. 
 

Note-se aqui que, como uma pessoa com distúrbio emocional, eu tendo a, de moto próprio, me distanciar das situações que me afetam demais, ou que tendem a me afetar. Daí que eu provavelmente estava me defendendo do aspecto emocional de fazer parte da cerimônia, e que eu olhava tudo de longe como se não me dissesse tão emocionalmente respeito. Quando eu me lembro que falei para várias pessoas que eu havia sido convidado a fazer a leitura, que eu ficara bastante animado com isso, que eu me sentira quase tratado com maior cerimônia com esse convite, e que eu chegara a pensar bastante na ocasião em que isso iria acontecer.

 

Ou seja, eu estava aqui dentro de mim bastante comovido, emocionado e lisonjeado. Mas o lugar, cheio como estava, as pessoas, que se comportavam normalmente, a forma simples com que me disseram como me comportar, a simplicidade da cerimônia e tudo mais, meio que me deixaram anestesiado com tudo o que acontecia.

 

Eu me sentia sendo levado a uma situação que eu não previra, e sendo levado pela mão do meu catequista, que iria ler pouco antes de mim, a primeira leitura. Quando o monsenhor apareceu, nós fomos à frente, sendo que em seguida ocupamos um lugar lateral, lá embaixo, e subimos somente na ocasião em que iríamos falar. Lembro-me de que o Igor comentara o quão pouco merecedor de subir ali ele se sentia, ao menos quando ele subira antes, nas primeiras vezes, e eu mesmo nem comentei com ele o quanto considero formalmente um privilégio ter de subir ali para falar um texto sagrado. Porque é assim que eu considero hoje, e não sem argumentos a favor disso.

 

A cerimônia ocorria, com nós embaixo, por enquanto, e eu via as pessoas ao nosso redor comparecendo e participando, sendo que nós permanecíamos um pouco distantes, psicologicamente, em relação a elas. Eu notava como algumas pessoas nos viam com respeito, e como a gente não era naquele momento exatamente a gente. A gente meio que estava parcialmente enquanto Rodrigo e Igor. A gente estava enquanto ministros de algo que era maior do que nós. 
 

É bom referir-me agora a alguns momentos e pequenos acontecimentos que ocorreram antes que nós entrássemos na cerimônia. Um primeiro é que, como vocês sabem, eu tenho quase 50 anos, embora não me sinta como tal. Nesse sentido, é de alguma forma impressionante (para mim e causa uma impressão para as pessoas) que eu seja chamado para vestir aquelas vestes e também para fazer a leitura da Bíblia. Por outro lado, as pessoas não me conhecem muito bem ali no Santuário. Sou uma pessoa reconhecida mas não suficientemente conhecida. Nesse sentido, as pessoas encaram, cada uma de sua forma, me ver com aquela roupa e aquela função.

 

Pois aconteceu que umas duas vezes, antes de entrarmos na cerimônia, duas pessoas (uma moça sozinha e uma senhora com o seu marido) pediram para falar com um padre. E elas me olharam de forma bastante forte, como se achassem que eu era um padre. No caso da senhora com o marido, ela queria que o padre de plantão benzesse a chave do carro novo, que eles haviam adquirido recentemente.

 

Lembro-me bem como ela me olhou demoradamente e perguntou ao Igor se um padre estava presente, e depois ficou me observando, achando que eu era o padre de que ela precisava. Eu me senti estranho, na hora. Percebi que ela precisava de algo - uma bênção -, e que esse algo alguém específico deveria lhe dar. Por outro lado, achei estranho, porque intimamente eu me sentia capacitado para dar-lhe o que ela queria, embora isso fosse errado, enganoso e ainda por cima quase uma heresia - fingir-se de padre, quando não se era.

 

Mas essa impressão em mim era bastante forte, acertada e próxima, e achei sumamente estranho que eu pensasse e sentisse dessa forma. Mas aconteceu. 
 

Outro aspecto interessante se divide em dois. O Igor me contou como a figura do diácono fo que achei por um lado estranho, mas por outro bastante convincente. Porque de alguma forma era como se as pessoas quisessem que eu estivesse nesse lugar, para fazer aquela pequena atividade, e me senti bem. Me senti acolhido, de alguma forma.

 

Por outro lado, percebi que as pessoas não encaravam o que eu iria fazer como algo com um certo status, e isso me agradava, porque eu apenas sentia que iria fazer aquilo que eu deveria mesmo fazer. Ou seja, que estava tudo bastante claro, certo e combinado. Que não havia forçação de barra de forma alguma, e que eu estava no lugar certo, fazendo o que deveria ser certo.

 

Por outro lado, fui reparando nas pessoas envolvidas na cerimônia, e como certos personagens (ou seja, certas pessoas que cumpriam determinadas funções) tinham um status mais ligado à figura do monsenhor, e como outras pessoas estavam em níveis inferiores (aqui sim inferiores) em relação a elas. Por exemplo, aqueles rapazes que vão na frente do monsenhor, carregando velas ou coisas desse tipo. Eu percebi que eles tinham uma precedência de status até meio que em relação ao próprio padre que fazia a entrada na cerimônia.

 

Eu percebia que ali, naquele caso, havia uma divisão de tarefas que dizia respeito a algo envolvendo um certo status. E isso me lembrou daqueles filmes sobre idade média, em que havia superiores específicos, vestidos com vestimentas escuras, e com semblante fechado, como se fossem uma espécie de seguranças no que diz respeito a tudo o que acontecia. Isso depois veio a ocorrer novamente, quando um desses sujeitos pediu que eu levasse uma camiseta para ser mostrada no presbitério, no final da missa. Senti uma pegada forte nesse sujeito, como se ele fosse uma espécie de segurança - e ele realmente parecia algo desse tipo. 
 

Claro que eu me deixo influenciar demais por esse tipo de impressão, que no fundo é corriqueira e não muito relevante. Simplesmente essas coisas foram acontecendo, e foram me defrontando com aquilo que eu sou. Pois a gente então se postou à frente da procissão que iria vir e esperamos para entrar na igreja, onde era devido, na entrada do Presbitério, para que daí em seguida entrassem as outras pessoas, os padres e os ajudantes.

 

Nós ficamos, ao menos naquele breve instante, que se estendeu por vários minutos, mais embaixo, de lado, olhando a cerimônia e de vez em quando levando pedidos de reza para um recipiente do outro lado do Presbitério. Quando foi necessário que fôssemos fazer as leituras, nós simplesmente nos inclinamos para o Presbitério, subimos e ficamos esperando a nossa vez.

 

Claro que tudo ocorreu como em qualquer missa, com as pessoas sendo ajudadas pelos ajudantes, que indicavam o trecho da Bíblia, ou do livro que ali estava, e com as pessoas assistindo, em geral caladas, enquanto tudo transcorria. Nem parecia que eu estava realmente ali. Parecia que eu iria cumprir uma função em algo que estava ali meio que acontecendo distante de mim, até porque, pelo lugar em que eu estava, eu não conseguia curtir realmente a missa, aquilo que ela era e representava.

 

Eu me sentia mais dentro do que eu esperava curtir, mas também mais distante, por ver tudo de outro lugar, de outra direção, e por ver outros detalhes que aos outros passavam batido. Eu me sentia imerso numa cerimônia que porém eu encarava com maior distância, embora em diversos instantes ela me atingisse mais profundamente, como nunca antes, em relação a todas as vezes em que fui assistir a missa naquele mesmo lugar.

 

Não era a influência de ver todo aquele mundaréu de gente, ou de ver pessoas em outros lugares, sendo que eu as olhava do lado de fora, não como se fossem pessoas que rezavam tal qual eu mesmo. Eu não me deixava influenciar pelo porte da cerimônia, pelas mais de mil pessoas reunidas, nem nada. Simplesmente de alguma forma, apesar dos pesares, a cerimônia realmente entrava mais em mim do que normalmente. Era como se eu fizesse mais parte daquilo do que antes, embora eu apenas fosse ler um trecho da Bíblia, e só. 
 

Antes de mim, teve o canto de um salmo, se não me engano. O rapaz que lá foi se estendeu por bastante tempo na peça cantada, com certeza mais do que o normal, e foi bastante bonito ver todo mundo tentando entoar o refrão. Foi algo que meio que me convenceu de que aquilo que acontecia parecia algo especial.

 

Lembro-me bem de que eu estava um pouco nervoso ao entrar, e que me persignei antes de fazer isso, mas também que eu gostava de tudo como acontecia naquele momento, enquanto o salmo era cantado. Era algo bonito ver toda aquela gente imersa na cerimônia, cantando ou entoando louvores para aquilo em que acreditava. Foi bastante bonito esse momento. Mas o rapaz demorou bastante - bem mais que o costumeiro - para terminar o canto, e isso me deixou um pouco nervoso.

 

Senti que eu não sabia exatamente o momento de entrar, e que precisava de uma deixa para isso. Que foi dada pelo Igor, que havia lido antes do rapaz do canto, e foi então que eu li o trecho específico. 
Mas antes preciso comentar como eu encaro esse momento da parte cantada.

Pois minha ida às missas passou por todo um processo de conversão interna, que envolveu o costume com os momentos das missas - sempre diferentes, ora em momentos com pouquíssima gente, ora em missas em que as pessoas ficam dispersas mas a gente sente um calor maior, ora com padres que sabem bastante bem o tom com que falam, ora com outros que fazem a missa de forma mais burocrática, ora em missas em que o acompanhamento cantado é feito a capela, ora com violão, ora com teclado, ora com banda, ora em missas muito concorridas, em que as pessoas se deixam levar por uma espécie de coreografia por gente contratada, ora em missas em que existem trechos dedicados a santos e santas, ora em missas que possuem outros eventos nelas mesmas, como o Cerco de Jericó, por exemplo -, porque tive que frequentar muitas missas para realmente começar a me acostumar à religião, a orar, e a conhecer mais sobre a Bíblia, etc. e tal.

 

No caso das missas, eu ia no começo para ouvir o que era dito especialmente nas leituras. Depois, eu ia para ouvir o padre, e levei bastante tempo para me deixar levar por aquilo que ele falava, dado o meu jeito extremamente crítico de encarar tudo. Depois, eu passei a ir para a missa como um todo, e ela passou a assumir um significado íntimo bastante maior, tirante o fato de que eu comungava sempre que podia. Mas de vez em quando eu saía - como ainda saio - no meio de missas que eu sinto que vão por direções que não me agradam.

 

Saio, tomo um café - embora não seja recomendado, porque geralmente comungo depois -, vejo alguns livros, e volto no meio ou na hora de comungar. Muitas vezes nem ouço os padres, até porque considero que nem sempre eles falam para o meu coração. Nem sempre a mensagem que eles fazem parece realmente bater fundo em mim. 
 

Mas houve um momento, ou momentos, em que passei a degustar os salmos, especialmente, quando eram cantados nas missas. Não me lembro bem se eram apenas os salmos, mas lembro-me de que os salmos eram as peças que batiam mais fundo em mim, ao menos no começo.

 

Tanto isso aconteceu que passei a procurá-los na internet, mas lá sempre eles apareciam de outra forma. Por outro lado, as pessoas que cantavam as peças nas missas não as cantavam realmente muito bem, mas algo naquilo, naquela paz que transmitiam, passava para mim na hora, e eu me sentia compungido pelos cantares. Isso aconteceu em diversas missas, e foi numa delas que eu inclusive cantei mais forte, achando que com isso me sentia melhor - e a Rosa, uma amiga, me disse que essa sensação de prazer era a chamada adoração - ela é evangélica.

 

Pois eu também, antes, havia sido apresentado a músicas diversas, de gospel, que me faziam emocionar, sendo que várias dessas músicas são cantadas nas missas, de vez em quando, e outras eu encontro na internet facilmente - enquanto outras eu descubro em emissões na rádio, em minha casa. Sempre eu descubro novas músicas.

 

Mas a calma que as canções cantadas nas missas me ofereciam era diferente. Era algo que eu até hoje não sei se compartilho, em meu prazer, da mesma forma que as outras pessoas. Mas foi algo que começou a ser maturado com o tempo e que também com o tempo foi assumindo um sentido na minha vida.

 

Pois enquanto eu esperava o rapaz cantar e terminar de cantar eu ouvia seu gostoso cantar, cantava junto, suavemente, mas também via as pessoas, na igreja, do ponto em que eu estava, cantando, suavemente, e isso me trazia uma impressão muito forte de religiosidade, de força e de amor.

 

Pois tudo isso acontecia pouco antes do momento em que eu iria falar o meu trecho da Bíblia, sobre o qual eu já havia tentado antes, e que havia me agradado sobremaneira. Pois era assim que eu me sentia na hora. Lembro-me de que eu me persignei, então, e de que agradeci a oportunidade a Deus, na hora, de poder falar aquele texto.
 

Quando o rapaz parou de cantar, houve uma pequena apresentação por parte de alguém e assumi o lugar do púlpito. Ao meu lado esquerdo, o rapaz que segurava o microfone apontou-me o lugar que eu teria que ler, o texto, aquele que eu havia lido antes como teste. Achei curioso que eu estivesse ali, falando, e assumi uma postura bastante grave, para ler o texto.

 

Mas minha principal preocupação estava em poder falar o texto a contento, com clareza, mas também com uma certa impostação retórica, para que as pessoas pudessem enfim degustá-lo. Porque eu sei que aqueles textos normalmente são mal expressos, recitados com problemas de leitura, até de dicção, e isso dificulta que nós entremos no contexto bíblico e que possamos entender realmente o que está sendo dito - ao nosso coração.

 

Pois eu lia o texto e reparava que as mais de mil pessoas que ouviam mantinham um silêncio bastante forte, e que eu parecia conseguir o meu intento. Acho que reparei inclusive que algumas pessoas, mais próximas, pareciam gostar realmente da leitura, e que pareciam engolir finalmente o sentido daquele texto. Pois a leitura foi algo leve e rápido, e que eu fiz com bastante cuidado.

 

Teve até momentos em que eu parei para dar uma entonação diferenciada, mais impostada, para que as pessoas compreendessem melhor o contexto do texto. Hoje reparo que aquele pequeno momento, pequeno instante, em que eu li a Bíblia pareceu enorme, pareceu que eu fiquei muito tempo à frente de todos, falando o texto, e hoje noto como isso me foi importante. 
 

Aqui cabe falar uma coisa. Eu fiz Filosofia na USP, e sempre nutri um desejo imenso de falar textos com aparência de sagrados na frente de auditórios. Claro que naquela época o caráter sacro eu o restringia a textos de Filosofia, em sua maioria Kant ou Rousseau, mas essa vontade de falar na frente das pessoas permaneceu. Ocorre que eu fui aos poucos me distanciando da Filosofia, caindo no teatro, e recitando os textos em plateias que nada mais tinham de didáticas, mas que eram compostas por pessoas dispostas a usufruir espetáculos, e coisas desse tipo.

 

Mas houve um deslocamento, nisso tudo. Porque eu ainda queria falar a verdade na frente das pessoas, algo que passei de alguma forma a fazer nas minhas peças, se bem que com outra ênfase e intuito. Ocorre que aqui, na Igreja, quando falei esse texto, eu simplesmente parece que cumpri um desejo antigo, que era o de poder falar em nome de alguém mais, substituindo a presença de alguém pela minha, para falar algo que me ultrapassava.

 

E isso ficou claro neste momento, quando falei esse trecho do Velho Testamento, que não guardei comigo - mas que pretendo rever depois, quando comprar o livro com os textos das liturgias, o completo (embora pudesse ter comprado o do mês, hoje). Nesse sentido, houve também um outro desejo satisfeito, aqui, que foi o de poder falar em nome de, de poder subir no púlpito e usar meu talento para poder falar em público algo que me ultrapassa.

 

Mas na hora não senti tudo isso. Na hora simplesmente me dispus a falar algo que me ultrapassava, numa cerimônia que era minha, enquanto funcionário, mas que não era minha, porém, na medida em que eu tinha dificuldade imensa em me entregar a ela.
 

Voltei então à parte de trás do Presbitério, onde as pessoas esperam para entrar, e logo depois descemos, o Igor e eu, ao mesmo lugar lateral, embaixo, em meio a muitas pessoas que olhavam a missa daí mesmo. Um lugar bem em frente, mas lateral, e secundário. Lá estando, assistimos à missa, pura e simplesmente. Que, como missa das 15h, seria uma missa mais demorada, com uma leitura trabalhada pelo Monsenhor para agradar gregos e troianos, com o uso de recursos retóricos diversos, como o de falar de bife a cavalo para comentar o que seria compromisso e comprometimento (realçando este último), com momentos em que o Monsenhor tratava as pessoas como num pequeno show, e com esclarecimentos que muitos não devem ter.

 

Taboão da Serra, é bom notar, é um município geograficamente pequeno, mas em que as pessoas possuem formações as mais diversas, e cujo santuário, embora localizado na entrada na cidade e meio que em um dos centros, é frequentado principalmente por pessoas simples, que dão valor a aspectos simbólicos, como ver o Círio sendo carregado no Cerco de Jericó, em que as pessoas têm problemas de saúde, financeiros, em suma, problemas comuns, e em que elas acreditam realmente nessa questão da bênção, levantando suas carteiras de trabalho para serem abençoadas, etc.

 

Nada a que eu não tenha já me acostumado, pois vejo isso o tempo todo, até mesmo hoje, quando fui na missa dos enfermos, em grande parte por causa de meu estado, com a esquizofrenia, e porque realmente sinto que a religião tem tido um papel fundamental em minha virtual recuperação.

 

A missa de domingo, no caso, levou quase duas horas e meia, no total, ocorrendo o percurso do círio pelo santuário todo, com pessoas levantando seus celulares para filmar, com outros levantando suas carteiras de trabalho, chaves de casa ou chaves de carro, e em que pude ver desde pessoas com problemas físicos insuperáveis, como deficiências congênitas, até pessoas mais distanciadas, que preferiam ficar com seus pares, mantendo-se tranquilas distanciadas de todo exagero, passando por tiazinhas sem conta que carregavam seus terços e que se dispunham até a meio que lutar para receber a bênção sob a forma de água abençoada - o que ocorreu no fim.

 

O Monsenhor Aguinaldo, o pároco do santuário, é um sujeito bastante jovem e esperto que não perde ocasião para falar aquilo que as pessoas querem ouvir ou a que estão dispostas a ouvir. Porque ele, sendo pároco, conduz a missa como uma missa, sim, mas com diversos recursos retóricos que lhe dão um caráter mais popular, como música, apresentações (desta vez, não) e conversas diretas com as pessoas. Mas ele não exagera.

 

Ele faz aquilo a que as pessoas já estão acostumadas, e a que respondem prontamente, como se fizessem realmente parte disso. Por sua vez, eu me considero meio que à parte de tudo, por causa do meu jeito mais intelectualizado e macambúzio de ser, embora por vezes me emocione e faça o que é devido, como me ajoelhar, etc., algo que faço de bate pronto, porque quero mesmo.

 

Eu realmente acredito, hoje. E realmente a cerimônia toda faz com que eu me sinta melhor, seja na doença, seja pessoalmente, ou seja como pessoa comum, falando com amigos que crio na hora. Neste caso, claro, eu me ative ao meu lugar, como parte da cerimônia, e participando ativamente daquilo que era necessário - como foi, ao ficar mostrando camisetas, que foram jogadas à multidão. Camisetas do santuário, e de movimentos do santuário, como as sessões da sobriedade, para quem tem problemas de bebidas, drogas, etc., em sessões que ocorrem às terças e sextas, à noite.

 

A missa terminou com as pessoas aglomeradas, sendo aspergidas por uma água benta, e em que as pessoas saíam em grandes grupos, pela entrada principal (existem entradas e saídas outras, que poucos utilizam). Daí nós nos dirigimos à parte de trás, aos vestiários, trocamos de roupa, o Igor me deu meus pertences, e eu saí aos minutos rumo à própria igreja, permanecendo um pouco na plateia. Não estava especialmente atingido pela missa, nem pela situação, nem as pessoas me abordaram ou me reconheceram.

 

Simplesmente eu descansei um pouco. Mas reparei como as pessoas da organização tratam tudo aquilo, sim, como missa, mas mais como um evento do qual elas precisam fazer parte e cujas funções precisam cumprir. Não notei algo de diferente no trato que as pessoas que participaram deram ao evento. Foi como um evento qualquer.

 

Nem vi alguém se persignando, benzendo, ou falando com os padres presentes, em busca de algo. Eu havia entrado na Hollywood daquela paróquia, e visto tudo pelo lado de dentro, participando em meu íntimo, mas vendo que as pessoas estavam bastante acostumadas a tudo e que portanto não davam uma atenção íntima especial (ou não pareciam dar) a isso que era uma cerimônia religiosa, uma missa, em suma. 
 

Quando saí daquela situação, fui ao café e fiquei observando as pessoas, que tinham ido para almoçar ou fazer algo que havia sido sugerido pelo padre, na missa. Sei disso porque já havia visto o poder dele em sugerir coisas antes, seja na compra de livros, ou compra de malhas ou encaminhamento ao restaurante do Santuário. Não estranhava esse aspecto, nem sentia nada de errado nisso. Simplesmente era assim.

 

Eu pensava então em minha convicção religiosa, e naquilo que venho fazendo para corroborá-la e torná-la mais forte, ao mesmo tempo em minhas dúvidas, porque as tenho também em boa quantidade.

 

Via aquelas pessoas, como se estivessem felizes, numa espécie de mercado, e via aquilo até com bons olhos. Simplesmente era assim. As pessoas buscavam ali algo que as saciasse, que lhes correspondesse os desejos, que as atingisse, e de forma a corroborar também a sua fé. Como eu, quando andava pela livraria e ficava admirando aquelas edições da Bíblia, ou via os comentários ao Antigo Testamento, e tudo mais.

 

Como quando eu visitava as livrarias, pedindo para que elas me iluminassem, me esclarecessem. Por outro lado, sabia que minha condição me fazia mais comedido, mais tranquilo, menos assoberbado pelas coisas, ou por aquelas coisas.

 

E agora, quando assisto o filme sobre Paulo percebo o quanto de sobrenatural, de impressões que a meu ver não são adequadas, parece atingir as cerimônias, o quanto a necessidade de alguma prova, de alguma sensação, de algo que nos faça sair de nós mesmos, parece ser imbricada na fé das pessoas que não têm fé.

 

Percebo o quanto tudo aquilo, aquela postura ligada às coisas, aos astros, às sensações, parece ainda nos dizer respeito, mesmo que tenhamos uma fé muito grande, mesmo que não precisemos de nada para nos convencer, ou não precisemos mais de mais nada.

 

Pois no filme a bênção é apenas uma palavra, que convence por sair do coração, e apenas isso. Mas os seres humanos transformam tudo em outras coisas, em compromissos selados tocando em estátutas, em água, em sensações, e mesmo em termos de sensação parece que imploramos por nos sentirmos diferentes para podermos realmente acreditar em alguma coisa. Mas eu sinto-me bastante pé no chão, e não creio precisar de tudo isso. 
 

Por outro lado, percebo que meu jeito mais comedido, mais tranquilo, faz com que eu me sinta bem ao não me render tão facilmente a esse tipo de coisa. Até porque eu percebo que as pessoas com uma fé mais madura não precisam tanto disso, e não se sentem tão à vontade fazendo gestos de fé aparente, ou abençoando-se ou fazendo coisas que as façam sair de si, ou que as mova em direções mais exacerbadas.

 

Percebo isso pelo diácono, que simplesmente fala ou não fala, que oferece ou não, que fala frases bem colocadas, e apenas isso, ou que simplesmente dá pequenos presentes. Ele me parece uma pessoa boa o suficiente para eu começar a me espelhar em seu comportamento, naquilo que ele fala, e naquilo que ele faz.

 

Eu percebo que ele parece gostar de mim, e que parece me agradar de alguma forma, em sua presença, com a Helena, que também gosta de mim, e que foi quem me convidou. Ali aquelas pessoas parecem perceber que minha fé é real, e que eu não estou indo tantas vezes para passar o meu tempo, ou perdê-lo fazendo aquilo que eu poderia fazer de outra forma.

 

Sinto o tempo todo minha fé sendo fortalecida, corroborada, mas nem por isso sinto que meus gostos não tenham de alguma forma de ser um pouco satisfeitos, sabendo-me porém inferior à vontade daquele que me ilumina. É isso.

 

Daí fui para casa, não falei com quase ninguém, me senti simples e claro, como se tivesse feito algo natural, sem diferença nenhuma em relação àquilo que eu já pensava, e percebendo agora o cerimonial mais por dentro, sem saber se quero ou não continuar a ser chamado. Vai depender de Deus. ​

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