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Relato de Leitura em Missa - Décima primeira


Semana passada, acho que no sábado, havia sido convidado a fazer a leitura da missa das 15h pela Helena. Mas, como meu celular não acessa o wifi em casa, e como recebo muitas ligações de cobrança, eu o deixo desligado ou silencioso, então não recebi a mensagem a tempo. Liguei para ela às 14h, mas ela respondeu que melhor seria deixar para o domingo seguinte. Pois bem, me preparei para isso, e mandei mensagem antes para perguntar se estava tudo certo. Estava. 


Foi assim a primeira vez que eu sabia com antecedência que iria ler na missa. Pensei nisso várias vezes antes. Não sei bem por quê, até porque não era novidade eu ler. Por outro lado, cheguei a pensar em me preparar para isso, mas nada especificamente avançou. Não fui à catequese pela manhã porque não tinha, então permaneci em casa, quieto, sabendo que iria à tarde até lá. Não me preparei, mas vi um dos trechos do dia, e entendi algo da mensagem. Tinha festa hoje, e vi as pessoas chegando. Mas era gente da família, apenas, e parecia que não iria ser muito barulhento, tudo. Seja como for, eu não estaria aqui. 
Pensei em chegar mais cedo. Por isso, aprontei alguns livros, que coloquei na maleta. Livros que não se afastavam demais da cerimônia, mas que também dialogavam com outras energias. Livros sobre política, inclusive. Seja como for, pela manhã, tendo me sentido mais à vontade com minha vida, neles, nesses livros, eu também mostrava que me sentia à vontade com o mundo ao meu redor, e não apenas com a ocasião da missa. Coloquei na maleta, que ficou meio cheia, e assim sendo desci. Saí bem antes, tipo uma hora e meia da tarde, então teria tempo para ficar lá lendo, antes da ocasião. Pensei assim, pelo menos. 

 

Tinha pouco dinheiro. Na verdade, o suficiente apenas para um salgado e talvez um café, só isso. Pois assim sendo cheguei na Rainha com vontade de uma coxinha, que pedi ao Pedro. Estava bem vazia, a padaria. Sentia que o tempo transcorria lento, e que eu não precisava me apressar. Sentia que podia degustar a coxinha com vagar, e que não precisava pensar em nada, nem na missa, nem nos livros, nem na família, nem em nada. Eu comi a coxinha com calma, e ninguém me chamou especificamente a atenção. Tomei também um café, após a coxinha, e com isso me aprontei para avançar em direção à igreja. 
 

Eu não me sentia especificamente religioso, como muitas vezes que por ali parei. Nem pensei em mim mesmo de forma diferenciada do mundo. Estava imerso nele, e não me ative a nada em especial. Talvez somente a uma moça, que estava no canto da padaria, com seu filho, e que me pareceu bastante simpática. Uma moça alta, já nos 35 anos, e o garoto com uns 8 ou 10 anos. Percebi como ela era educada, e como eles pareciam à vontade naquele lugar. O garoto era bem quieto, parecia comigo quando pequeno. Ou será que não?
 

Acho que a única coisa que ali estando me chamou a atenção foi um ex-atendente que apareceu e que me cumprimentou. Ele trabalha agora ali perto, e tem um semblante bom, como se tivesse gostado de ir embora da Rainha, e conversou com um sujeito ali mesmo. Apareceu um sujeito - ou estava lá - com uma aparência que não me agradou muito, e depois foi embora. Eu estava bastante sensível à ocasião, àquelas pessoas, mas também me sentia alheado, como se não fizesse tanto parte daquele lugar, ao menos ainda. Paguei o Isaías, que atendeu com calma, do seu jeito de sempre, e fui em direção à igreja.
 

Sempre passo aqueles quarteirões com alguma insegurança. As pessoas que me acompanham, ou que cruzam comigo, me afetam. Desta vez, uma mãe com sua filha me seguiram, e depois eu passei a parte de negócios em direção à BR com maior segurança, porque estava sozinho. Não encontrei ninguém que me chamasse especificamente a atenção. Passei pelo trecho de drogarias também com bastante calma, e assim sendo fui me aproximando da igreja. Pensei em passar no café, mas ao contrário disso acabei entrando pela entrada principal, cumprimentando alguém ali, e um senhor que não pareceu muito à vontade comigo (pelo jeito de me cumprimentar). Não liguei para isso. Me ajoelhei bem ali na frente e subi. Fiquei no sacrário um tempo, para me concentrar, sendo que sequer avaliei a hora. Esperei. A igreja estava meio vazia, meio cheia, e não me senti à vontade para nada em especial. Num determinado momento, achando que estava na hora, e olha que estranho, porque havia ido bem cedo, eu desci para me vestir. 
 

Coloquei a vestimenta e deixei os livros no local. Me aprontei e subi novamente ao sacrário. Não reparei especificamente em ninguém, exceto num amigo da catequese que ali estava lendo a Bíblia, e que cumprimentei. Uma moça me olhou na hora e pareceu se interessar por mim - mas não sei se depois de colocar a vestimenta ou antes. Não me lembro bem. Sei que ficando ali percebi que queria ler os trechos da Bíblia naquele dia, e que para isso desci novamente, peguei a Bíblia e fiquei ali lendo os trechos. A Helena me viu ali e perguntou se estava tudo bem - e estava. Eu simplesmente não parecia me colocar bem no local, apenas isso. 
 

Foi estranho, talvez por ter sido a primeira vez que fiz isso. Não sei bem o que aconteceu, na verdade. Eu havia entendido que hoje era o 17 domingo do tempo comum, e foi assim que eu peguei os trechos da Bíblia para o dia. Reis 2, e mais alguns. Li tudo aquilo em calma, distanciado de tudo e de todos, e os trechos me trouxeram momentos da vida, nossas carências, e quando li os Salmos fui me emocionando. Aquilo foi falando muito fortemente comigo. Não consegui ler o Salmo do dia até o fim, e fiquei ali me comovendo com a vestimenta, e tentando ler os trechos que iriam me caber. Foi assim que fui notando como estava dentro da religião, da fé e da ocasião comigo mesmo, e como tudo aquilo dizia realmente para mim, tudo o que eu precisava. Foram apenas alguns minutos que pareceram durar muito, e que me deixaram muito comovido. Foi a primeira vez que isso aconteceu desse jeito comigo. Não sei expressar em palavras claramente o que aconteceu. Foi diferente, isso eu posso dizer. Não parecia que o tempo passara, e parecia que eu havia sido predestinado a estar ali, daquele jeito, naquela função. Desci e levei a Bíblia para minha maleta, e depois subi para me preparar para a missa. 
 

Fiquei como sempre no caminho da pequena procissão que se forma. Estava preocupado em saber quem seria o leitor da primeira parte, porque um colega me confirmara que eu iria ser o leitor da segunda. Enquanto o cantor entoava louvores, eu ficava variando de lugar em que me postar, e com  isso chamava um pouco a atenção, o que sinceramente não queria. Há sempre mulheres dispostas a serem atraídas pela gente, naquela situação, naquela posição, e notei que uma delas, muito bonita, se aproximava, de forma estranha, como nunca antes acontecera. Uma mulher do tipo que eu gostaria, inclusive. Uma moça que eu já vira muitas vezes por ali. Pois assim sendo, o tempo foi passando, e  descobri quem era o leitor da primeira parte. Um sujeito mais jovem, meio gordo, do qual eu não gosto, pela posição que assume e pela suposta superioridade que perpassa, quando na verdade acabei constatando como sua fé é errada, como se considera além de outras pessoas, como se comporta de forma inadequada. Mas isso foi se revelando depois, não acontecia naquele exato momento. 
 

Ficamos esperando até que tudo entrasse nos eixos, mas não entrou. O sujeito que iria carregar não carregou a cruz e sobrou para outro sujeito. Descemos e participamos de tudo, como de praxe, mas eu sempre participando de forma dura, sem me envolver demais, porque não gosto de falsidade naquilo tudo. Por outro lado, estava um pouco condoído com a situação. Todo aquele barulho me confundiam, porém, e eu não conseguia entrar na minha fé, tão e somente nela. Não conseguia e portanto permanecia estranho em grande parte a tudo o que acontecia. Creio que as pessoas percebiam um pouco, mas não tão facilmente. Vi uma moça de que gosto, mais velha, num dos cantos da cerimônia, e percebi como ela me atrai por um lado, mas por outro lado como é mais velha, e também não me atrai muito. Reparo nisso de soslaio, meio sem querer, mas isso também me confunde. Notem que eu fico os dias inteiros sozinho, no meu apartamento, todas as semanas, e que não saio quase nunca. Pois esta é a única oportunidade em que posso conviver com outras pessoas. 
 

Houve uma época em que eu ficava perdido naquele momento da entrada. Em onde iríamos ficar, onde iríamos permanecer, quando iríamos nos reclinar, quando iríamos sair da parte da frente para ficar do lado, esperando a nossa vez. Hoje eu não sinto essa confusão toda. Hoje percebo claramente quando é o espaço para os outros, e para mim. Mas o sujeito ao meu lado parecia querer guiar tudo, sem dever. Achei estranho, mas não me opus. Simplesmente percebi que estava ali com minha fé, e apenas isso. Que não deveria brigar por nada. Por outro lado, eu me sentia bem mais à vontade que em outras vezes, não sei por quê, talvez porque minha fé estava fortalecida, ou porque estivesse acostumado à cerimônia. Ou porque ela iria ser conduzida pelo padre Estêvão, que tem uma postura diferente na missa. Ou pelo menos que conduziu desta vez de forma diferente. Isso, claro, eu ainda não sabia, iria ver com o passar do tempo. 
 

No lugar em que ficamos, havia duas moças com crianças. As duas moças eram bem pequenas, e as crianças também. Eram bonitos, todos, e eu fiquei meio constrangido com aqueles meninos que não ficavam quietos, mas não fiz menção de fazer nada. Elas também pareciam bastante racionais, sabendo bem o que faziam, então não me preocupei. Elas nos acompanharam a missa quase toda (saíram um pouco antes), e eu mesmo aprendi a desconsiderar algumas formas pelas quais eles, os garotos, nos atrapalhavam. Não liguei e desliguei de prestar atenção nisso. Fiquei preso à cerimônia, e não estava muito cansado, inclusive. Foi a missa, em retrospecto, em que melhor consegui lidar com o cansaço físico durante as mais de duas horas no total. 
 

Demorou relativamente pouco para que fôssemos chamados. Com certeza, o sujeito informou-me errado (é parecido comigo, fica mandando), e ficamos mais tempo do que necessário lá na frente. Ele nem sabia qual a ordem para falar, e tive que lhe dizer que ele iria falar primeiro. Ele fez isso. Falou bastante mal, com uma voz sem autoridade, mas não reparei demais nisso, não. Fiquei me postando lá atrás, cumprimentei o cantor, e depois ele foi lá cantar os louvores relativos ao salmo. Foi um canto bonito, que as pessoas acompanharam de leve, e que pude sentir fortemente em meu coração. Mas não foi algo que me motivasse a cantar, nem a me sentir especialmente forte por causa dele. Eu senti o canto como um salmo, senti sua mensagem, e percebi que ele tinha a ver com a mensagem do dia, mas não me senti comovido especialmente por causa dele. Eu estava esperando minha vez, e por isso tirei o óculos de meu bolso e o pus, para me aprontar para o momento em que iria falar. Fiquei assim mais do que dez minutos, do canto, e não senti muito o tempo passar. Simplesmente foi assim que me preparei para ir lá e falar efésios. 
 

Minha fala foi simples, e assumi um momento e ar de autoridade especial para falar. Algo em mim parecia certo, correto e forte, e minha voz traduzia o convencimento que eu tinha. Na hora, me confundi um pouco, como quase sempre, porque o texto é indicado mas por vezes nos confundimos com ele. Fiquei assim, lendo e tentando me guiar, durante aquele momento de fala. Não sei bem, mas reparei antes de entrar que uma moça parecia querer me ouvir especialmente, parecia que ela queria me ver falando, mais do que ao texto, e senti nisso algo bonito, porque ela iria me ouvir falando o texto, e ela sabia disso. Porque há um quê de autoridade ao falar que parece nos levar para além de nós mesmos, mesmo que não queiramos. O lugar de autoridade nos torna alguém melhor, de alguma forma, e as pessoas parecem reparar nisso, claramente. Pois assim sendo eu falei o meu trecho, minha leitura, e terminei calmamente, enquanto o microfone era coletado pelo auxiliar. Eu senti que havia sido uma de minhas melhores leituras, sem qualquer impostação, mas com bastante autoridade, e que as pessoas parecem ter gostado bastante também. Foi assim que tudo terminou, nos reclinamos, e voltamos para o nosso lugar. Percebia que algumas das pessoas nos acompanhavam no olhar, e que pareciam ter gostado das mensagens, no caso a minha, bastante simples, direta e clara.
 

Note-se que numa missa como aquela, com grande influência da renovação, o protagonismo das músicas é muito elevado. As pessoas cantam com efusividade, e reparo como isso é bom para sentirmos nossa fé. Mas no começo, como podem ler em outros relatos meus, eu relutava. Ainda reluto, na verdade, quando a música não sai de dentro de mim. As letras são passadas nos telões, e muitas dessas músicas eu tenho dificuldade de cantar, não sei por quê. Isso foi acontecendo durante a cerimônia, e eu sentia que me afastava dela com isso. Percebia que algo faltava em mim. Por outro lado, as letras, que conduzem a uma entrega, também me afastavam por isso mesmo, como se eu estivesse arregando, quando minha fé é sincera. Aconteceu então que numa dessas músicas eu comecei a cantar, de leve, e que isso se tornou tão forte em mim que comecei a chorar, aos poucos. Isso me deixou estranhado, porque nunca antes havia acontecido ali naquele lugar, e era porque as letras tinham tudo a ver com minha situação, comigo mesmo, com meu espírito, este tempo todo, de dificuldades imensas. Isso foi meio que abrindo um espaço dentro de mim, e eu fui me sentindo melhor com o passar do tempo, e da cerimônia. Isso aconteceu em especial em uma música em particular, da qual não me lembro, mas que me fez quase chorar, na hora. Depois, eu fui ficando novamente fechado em mim mesmo, e cantei poucas vezes a seguir. Eram cantos algo diferentes dos que eu conhecia, e também minha situação era diferenciada, como se eu estivesse pretendendo conhecer algo de Deus na hora, ao invés de me render a ele, como é uma missa daquele tipo. Porque o aspecto racional se mantém em grande medida fora da ocasião. 
 

Foram se passando os minutos e a liturgia seguia. O padre Estêvão seguiu uma ordem diferenciada, desta vez. Ele não comentou em nada os trechos das leituras. Nem um pouco. Ao contrário disso, ele conduziu a cerimônia com uma voz tranquila, fazendo com que as pessoas tentassem encontrar a Deus em si mesmas, se perdoando, pedindo perdão, e com isso as músicas foram se sucedendo. Ele praticamente não falou nada, ou se falou, falou apenas nesse sentido, e a liturgia toda foi se conduzindo dessa forma, com muita música, muito canto e bastante ensimesmamento. No começo, claro, ele também fez algo diferente, que foi contar um caso de uma moça, por meio de uma carta, e depois a moça apareceu, agradecendo as graças recebidas. Foi para várias pessoas muito comovente, mas a mim me pareceu um pouco forçado, pois dizia respeito a um exame médico que depois foi outro, ou seja, que se tornou algo que não existia. Ou seja, foi um erro médico, pequeno, em suma, e isso em meio a sonhos, e imagens de santa terezinha. Isso não me convenceu, mas convenceu sim as pessoas ali presentes, ou várias delas, que se comoveram muito. A homilia foi então diferenciada de tudo o que eu já havia presenciado, mas eu não reclamei dentro de mim, dado que não esperava mais que ela, a homilia, fosse do jeito que eu imaginava. Eu não, eu estava consciente de que tudo aquilo tinha que ser do jeito que tinha que ser, e que meu papel era me aprofundar na fé com tudo isso acontecendo. Pois assim foi que o padre celebrou a missa, que durou mais ou menos duas horas, e em que tudo foi ocorrendo normalmente. Pois eu via tudo como se fosse algo introjetado em mim, que fazia parte de meu ser. 
 

O tempo foi então se passando, e as pessoas entrando no clima da comunhão. Quando chegou o momento da liturgia eucarística do dízimo (falta-me a palavra, é da contribuição), uma moça se postou aqui perto de nós, e eu lhe dei alguma coisa. Foi então que percebi que a cerimônia se conduzia para as bênçãos, que eram dadas ao mesmo tempo. Percebi isso meio sem querer, pois estava imerso em meus pensamentos e de repente vi pessoas aplaudindo, quando o padre mostrava pequenas crianças para a comunidade. Reparei também que a fila se tornava grande naquela situação, e que havia outra em que as pessoas levavam coisas para serem abençoadas. Uma moça, lembro, levou um pequeno altar, e assim foi tudo se sucedendo, sem que parecesse haver momento para tudo realmente acabar. Eu não estava cansado, mas a cerimônia se estendia e eu queria algo um pouco mais rápido. Claro que não adiantava, e que eu teria mesmo que esperar. Num momento qualquer, de que não me lembro, houve a cantoria do Pai Nosso, e foi então que aconteceu algo estranho. Um sujeito, com problemas nas pernas, sempre aparece num determinado momento da missa e fica ali na frente. Ele meio que irrompeu em meio a nós, ocupou o seu lugar e fez questão de participar da cantoria do Pai Nosso. Nós, claro, deixamos, mas meu colega de leitura não tocou na mão dele, ele foi tocado, mas não tocou. Eu o toquei, sim e fiz questão de ajudá-lo em seu intento. O louvor com o Pai Nosso continuava, e eu sentia que ele se sentia aceito. Olhou para mim duas vezes, de costas, e achei muito bonito. Seu sorriso é sempre muito bonito. Pois foi assim que ele cantou o Pai Nosso, embora eu confesse que tenha ficado meio distante, porque ele parecia meio sujo. Ele depois foi se colocar em seu lugar, bem à frente.
 

Note-se que esse sujeito parece uma espécie de corcunda. Ele tem realmente problema nas pernas e nos braços, e quando vai à lanchonete trata todas as atendentes como tias, com um jeito muito meigo, infantil, mas ao mesmo tempo um pouco forçado. Esse sujeito carrega um grande volume, sempre, e é evitado pela maior parte das pessoas. Pois esse sujeito foi lidando com as crianças ao redor, e chamou especialmente uma, um daqueles garotos, para perto dele. Lá ele lhe deu uma balinha, e o garoto saiu sem saber o que fazer. A mãe lhe disse para agradecer, o que ele fez, do seu jeito. Pois nesse interim o sujeito ficou olhando para as pessoas, e de repente me olhou muito profundamente. Ele havia me olhado antes, como disse, mas aqui ele me olhou como se fosse me perscrutar. Eu o olhei e sorri, e  ele sorriu de volta. Percebi que ele carrega uns papéis onde escreve algumas coisas, mas, mais ainda, onde acho que escreve as coisas bonitas que vê. Senti que ele havia me escolhido de repente, nesta missa, e que começaria a escrever sobre mim. Eu prezo muito esse tipo de manifestação, é preciso que vocês saibam. Pois foi assim que o tempo foi passando, que a missa foi sendo conduzida ao fim, e que eu fui me envolvendo cada vez mais por aquilo que era realmente importante, que era a comunhão. 
 

Foi assim que num determinado momento o padre começou a liturgia mais importante da missa. Foi então que eu me ajoelhei, mesmo antes de todos os outros, porque sentia que devia. Pois foi assim que eu também me apoiei e que passei a me concentrar mais em mim mesmo durante a cerimônia. Quando chegou o momento em que as pessoas se ajoelham, eu já estava assim, e assim fiquei mesmo depois que elas se levantaram. O momento da eucaristia é para mim realmente importante, e não só para mim, mas por um motivo que não sei qual é, minha cabeça normalmente vai em outras direções naquele exato momento da cerimônia, e embora eu sinta que estou fazendo um papelão não consigo fazer diferente. Nesta situação, neste caso, porém, tudo foi diferente. Ajoelhado, eu não estava tentando forçar a mente para a ocasião, mas algo em mim me fazia ficar bastante compungido e reativo a qualquer outro pensamento. Foi assim aquele tempo todo, enquanto o padre oferecia o pão, repetia as palavras sagradas, e enquanto as pessoas se sentiam compungidas por aquilo. Minha mente finalmente recaíra na ocasião de me ater àquilo que de fato estava acontecendo. Foi assim o tempo todo, e mesmo depois, quando fiquei ajoelhado ainda, minha mente estava leve, como se presenciando algo de muita importância mesmo, algo que ultrapassava meu entendimento consciente. Foi estranho, se fosse tentar explicar direito, porque não sinto que eu tenha quase estado naquela situação, naquele momento, mas como se a minha alma, sim, estivesse estado.

 

Foi muito forte, mas não me afetou consideravelmente no comportamento. 
 

Houve então algo que me afetou sobremaneira, apesar de ser super sutil. Nós, que fazemos parte da cerimônia, quando o padre passa a hóstia, quando oferece-a para nós, podemos e normalmente vamos para o presbitério, subindo, para receber lá em cima. Isso é um privilégio nosso, e de poucos outros. Mas nesse caso, eu vi uma moça com o recipiente com as hóstias bem do meu lado. Pensei que eu devia subir, mas que no fundo não seria em nada diferente. Pois Jesus estava em qualquer lugar. Por outro lado, percebi o potencial de autoridade que havia em tudo aquilo, e não quis me submeter à ordem de subir, para receber lá em cima. Simplesmente pensei que se eu escolhesse estaria escolhendo com base em valores humanos, e não sagrados, e que estaria errado. Então recebi a hóstia da moça mesmo. Por outro lado, meus colegas de cerimônia subiram, ficaram lá em cima, e eu preferi ficar em baixo. Foi estranho, porque naquela mesma situação eu preferi também ficar ajoelhado todo o tempo da comunhão, e porque foi aí que eu me ative a que estava absolutamente imerso em Jesus dentro de mim. Foi estranho mas ao mesmo tempo foi bastante libertador. Fiquei ali por muitos minutos, enquanto tudo acontecia ao meu redor, sem me deixar levar por nada nem ninguém. Por outro lado, percebia que os eventos continuavam, e que em seguida iria advir a passagem do Altíssimo entre nós, e que ele provavelmente fosse se aproximar, inclusive. Foi curioso porque desta vez eu estava pronto para esse momento da cerimônia. Outras vezes tudo em mim parecia meio falso, desta vez não. Por outro lado, eu também não estava querendo agradar nada nem ninguém, nem a mim mesmo. Eu percebia que era sincero. Foi curioso. 
 

No caso do Altíssimo, eu sempre considerei aquilo quase uma superstição. Mas por outro lado é Jesus mesmo, tal como na hóstia. Por outro lado, pessoas que se aproximam dele de outra forma, com objetos, me parece excessivo. E ainda considero assim. Nesta ocasião, o padre se aprontou para levantar o objeto com ele, e aos poucos, depois de se aproximar do outro lado do presbitério, se aproximou de nós. Eu confesso que me aproximei com vontade, sem nada de exagero, e que gostei da sensação. Isso se estendeu, a exibição dele, por todo o trajeto na igreja, mas eu não acompanhei tudo de perto. Mais bem, fiquei quieto, ajoelhado, pensando em  mim, pensando nele, e com isso me incutindo o valor de tudo aquilo em minha vida. O Altíssimo levou mais ou menos 20 minutos para percorrer toda a igreja, e quando voltou fizemos os gestos costumeiros. Nada que me afetasse muito negativamente, nem que contradizesse algo em que eu acredito. Tudo continuou com sua saída, e depois entramos nas dependências. Foi quando percebi que as mulheres rezando a ave maria não estavam lá, e que estava tudo quieto. Foi assim que a ave maria foi rezada quando o padre chegou e que nos aprontamos para ir embora. 
 

Eu, como sempre, fiquei um pouco na igreja sendo esvaziada, com meus pertences, e a moça mais velha me abordou. Comentou algo sobre até a próxima missa, e reparei em como ela tem detalhes que não me agradam fisicamente. Mas não fiquei muito pensando nisso. Vi a Helena na saída e depois me despedi de outras pessoas. Não peguei nenhum de meus livros, nem tive vontade ou dinheiro de ir ao café, na lanchonete. Sentia a hóstia caindo em mim, e de uma forma plácida, quase santificada. Foi estranho, porque não sentia gosto de nada. Por outro lado, as pessoas que fizeram parte da cerimônia já eram distantes nesse momento, em que eu me conduzia mais próximo de mim mesmo. No ponto de ônibus, estava aquela moça bonita com o garoto, sendo que pegamos o mesmo ônibus, ela descendo um pouco antes. Gostei dela. Senti uma certa placidez nela, e senti que ela percebia que eu a via. Ela havia me visto fazendo a leitura, mas não comentou nada na hora. 
 

Este relato foi então de uma placidez formidável. Foi uma espécie de reencontro comigo mesmo, de certa forma, e uma revelação de momentos que ficaram em mim por aquele dia e que permanecerão pela vida. Todos momentos simples, singelos, mas representativos. Senti que essa leitura havia sido uma das melhores, e que meu envolvimento na fé se tornava mais forte na hora, assim como minha correspondência àquilo que a missa efetivamente é - ou era. Não me senti acabrunhado de forma alguma, em momento algum, e percebi que tinha orgulho do que fazia. Não senti o tempo passar, nem senti dor nem nada, dado que ainda estava com os problemas nos dentes. Não teve nada de milagroso, mas para quem imagina o milagre de outra forma houve algo, sim, estranho e representativo. Algo que ficou.

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