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Décima missa lida

 

Minha vida está sendo diferente, com as missas que surgem para nelas eu fazer leituras. Desta vez, foi se não me engano a décima missa de todas as que já fiz, com preparação para ser a primeira leitura (quase sempre é a segunda). Desta vez, eu mesmo sugeri que lesse, e a Helena concordou, me avisando por celular (mas reafirmando pessoalmente). Ela me avisou num encontro que ocorreu no térreo, sendo que eu cheguei atrasado e fiquei lá atrás. 


Não quis ir à frente, mas fiquei bem concentrado nas falas, embora bastante crítico também. Não divisei a Sandra na hora, e me contive em simplesmente ouvir, e nem anotar. Algo havia que me distraía. Depois, perto da saída, a Helena me avisou. Eu não disse nada, exceto que concordava. Mas fiquei sem expectativa alguma. 
 

Perguntei ao Igor que domingo que era, e li o trecho que iria me caber. Encontrei a Sandra e conversamos um pouco. Ela estava bonita, e parecia muito preocupada com a sua semana. Iria ter estágio, e eu soube onde iria ser. Ela me parece sempre uma moça tentando fazer algo, ao contrário da Paula, que me aparenta ser uma mulher desocupada, o que me irrita muito - fui esquecendo, mas isso foi me afetando. Afetando o que sou, o que espero, meus valores todos. 
 

Não fui à missa. Tomei um café e fiquei tentando ler alguma coisa. Numa hora determinada, subi, e estavam falando especificamente o trecho da missa do dia. Achei estranha a coincidência, e fiquei mais algum tempo, mas saí. Tive muita sorte, algo havia me dito para ir naquele momento, e o ônibus passou. O único do dia. Cheguei cedo, mas não consegui me concentrar. Não sabia se devia pensar na missa, na ocasião, ou se devia ficar preso à minha rotina. Simplesmente fiquei, almocei, e fui até lá. Mas eu estava confuso. 
 

Quando saí, encontrei o Eduardo, um senhor de origem japonesa que é católico e que me acompanha meio ao longe, em minha caminhada (que por vezes, por ser tão solitária, me apoquenta ou emociona). Falei-lhe que eu preciso de um padrinho, e que gostaria de conversar com ele a respeito. Ele não me disse nada demais, preocupado com a criança, mas ficamos de nos encontrar um dia desses. O apartamento dele é o 161 do primeiro bloco.
 

Tenho me esquecido das vezes em que desço em direção ao santuário. Tento me concentrar no caminho, mesmo até rezar, mas não consigo. Permaneço ainda preso ao dever de chegar, à eventualidade de chegar antes ou depois, e ao fato de que ali estando terei que permanecer para me concentrar na cerimônia. Tudo já é bastante com o que me preocupar, tudo é suficiente para me fazer perder. E agora era dia de jogo, então seria pior. As pessoas estariam nas ruas prestes a comemorar, enquanto eu, mais conservador, iria à missa. Algo que alguns consideram estranho. 
 

Na padaria foi assim. Tomei um café, pelo que sei. As pessoas me viam e eu, fechado em mim mesmo, prestes a participar da cerimônia. Encontro a Alini, querendo se fazer passar de alguém interessada no jogo, de alguém querendo participar. Enquanto eu, por outro lado, me dirigia à missa, com uma pasta cheia de livros (que não li). Ou seja, um sujeito bem encontrado em si mesmo, mas ao mesmo tempo desejoso que com ele acontecesse alguma coisa. 
 

Não sei o que seria. Mal cheguei, fui até lá em cima, no sacrário, e fui cumprimentado por um amigo, muito efusivo. Sempre. Torci para que ele não sentisse meu cheiro. Desci e havia uma mocinha e um rapaz se vestindo. Quis interromper, mas não o fiz, esperando meu lugar e minha vez enquanto eles ficavam estranhados. Troquei-me sem dar demasiada atenção à ocasião, e tentando ver se levava algum livro para ler, já que sobrava algum tempo. Mas não fiz isso. Subi, e depois desci novamente, para trocar de roupa (colocar menos dela). 
 

A caminho, vi algumas pessoas. Eu estava bastante formal, na hora, fechado, convicto de meu papel, e por isso quando vi uma moça loira, sempre no mesmo lugar, me vendo, fiquei apenas um pouco afetado por dentro. Fiz que não a via, que não me era relevante, mas passou a ser. Ela está de olho em mim não de agora, e é bonita, muito bonita. Uma moça reluzente, eu diria, que parece trabalhar com enfermagem. Ela fica sempre no mesmo lugar, e parecia feliz em me ver. Mas eu estava nervoso. 
 

Em parte, meu nervosismo derivava da presença da moça. Mas em parte também se devia ao fato de que gosto de me sentir bem na ocasião, não dividido, estranhado comigo mesmo, ao mesmo tempo em que não busco mais um estado espiritual definido. Quero me sentir bem. Havia ali uma moça com duas crianças, uma delas muito pequena, que ainda começava a andar direito. Fiquei preso a ela, tentando chamar-lhe a atenção e educá-la, e ela aceitou bem. Esse trato com a menina me ajudou muito na hora. Senti que começava a sair de mim mesmo, que começava a entender melhor meu lugar, ali, e a moça ao lado via isso com alguma curiosidade. Lidar com crianças muito pequenas é algo que me enleva, e me revela.
 

Foi assim que o garoto com quem eu iria ler apareceu. Me chamou pelo nome. Foi assim que fui me aprontando, agora me aquecendo, porque sentia que estava frio e que eu poderia me sentir mal na ocasião. Esquentei minhas articulações e assim o tempo foi passando. Destas vezes, sinto menos dificuldade em lidar com o tempo passando, com as músicas e tudo mais. Até canto, até danço, embora pouco.


Há uma moça na igreja que parece estar muito a fim de mim. É uma moça morena, aparentemente humilde, muito bonita, mas de outra classe social. Ela reparou em mim pela primeira vez numa reunião da Pastoral da Sobriedade, à qual fui duas vezes (mas fiquei apenas uma). Uma moça muito correta, pelo visto, que se preocupou com o seu irmão e que assim o tirou das drogas (ele está tentando). Ela entrou, me viu, disfarçou e pegou seu material, porque ela é da acolhida. Com o tempo, reparei que o pessoal da acolhida fica de fora, que não se veste onde o pessoal da cerimônia faz. E fiquei meio chateado. 


Essa moça estava muito bonita, com um collant bem justo, ressaltando as pernas e umas botas bem legais. Mas na hora não reparei nisso. Notei que ela tem minha altura praticamente, ou mesmo sendo mais alta. Que tem o olhar bravo, ou aparentemente, e que se sente inferiorizada talvez pela cor da pele ou pela situação mesmo. Seja como for, eu fiquei parado, meio desconcertado, enquanto ela andava e se aprontava na minha frente. Não tenho costume de falar com pessoas naquela situação, então fico quieto, de preferência. Parado, que nem uma estátua.


O trecho que eu iria ler era de Ezequiel, um profeta. Era curioso que se falasse em profecia, e tudo mais. Nunca antes eu havia lido um texto assim. Eu ficava imerso nisso enquanto o tempo avançava, e pela primeira vez não reparava muito nas músicas, em como elas me tocavam. Por outro lado, sentia-as mais fortemente, como se elas dissessem respeito a algo profundo em mim. Curioso, porque estava dividido com as moças que estavam por ali, mas por outro lado muito concentrado em como a fé agia em mim. Foi a primeira vez que isso aconteceu. Parecia mais vívido, mais natural, mais profundo. Mas ao mesmo tempo as tentações me invadiam. Não falei com a moça loira, nem com ninguém. Só fiquei mesmo brincando com as crianças.


Hoje, quarta, em que escrevo isto, reparo como se assemelha em parte ao menos à impressão que Almodóvar passa sobre sua relação com a religião ou com o seminário, de que participou. Uma espécie de olhar de dentro e de fora. No meu caso, se deve a minhas limitações. Ao fato de que, para não me abandonar ao sentimental, à sensação, que me dói demais, eu racionalizo tudo, como bem diz minha terapeuta, no CAPS. Porque neste caso quando digo tentação é isso mesmo, pois aquelas moças, a mera presença, me são uma tentação. Por outro lado, o lugar e o tempo são inteiramente inadequados. Pode parecer descabido que eu comente isso naquela situação.

 

E é totalmente descabido. Eu estou numa missa, e dou a importância de uma missa. Não estou me aproximando de ninguém, nem querendo isso, de forma alguma. Minha dedicação ao momento é completamente religiosa. Mas não posso deixar de notar o que acontecia na hora, e como isso me afetava. Por outro lado, minha religiosidade aumentava, com tudo isso, ao invés de diminuir. Porque eu me deixava levar pelo papel, pela minha situação, e isso me fortalecia. Mas não tive - talvez por essa cisão - a desfaçatez de falar com elas. Não me senti totalmente à vontade, até porque deveria haver outro motivo para eu conversar com elas, que não o inteiramente religioso. E isso me mata por dentro. Porque ele não pode haver.


Bom, o tempo passava, eu brincava com a menina, que era negra, e me preparava para entrar. Por vezes, ficava de um lado da moça, por vezes de outro. Estava nervoso, e começava a ficar com frio. Havia tirado uma das blusas, mas apesar do horário - 15h - ficava cada vez mais tremendo com o frio. Não me sentia exageradamente afetado por isso, mas no fundo doía um pouco - e iria piorar. Apareceu uma moça que iria falar um trecho na missa e com ela fomos até o estrado em que descemos, e assim, atingindo o horário respectivo, descemos e ficamos esperando o padre passar a água ungida entre as pessoas. Levou algum tempo, porque ele deveria estar ocupado na hora. Eu naquele momento me solto um pouco, mas não muito, e não me sentia especialmente tão à vontade naquela ocasião. A missa não estava muito lotada por causa do jogo, mas sentia por outro lado que as pessoas estavam realmente presentes. 


Eu tenho dificuldade de me sentir bem naquela situação. Percebo que estou numa missa, sim, em algo comunitário, mas também numa espécie de espetáculo, e fico o tempo todo me olhando de fora como se eu fosse mais um ator do que uma pessoa envolvida na crença, e isso me irrita. Por outro lado, tenho em mim a suprema necessidade de ser sincero, de responder às demandas com sinceridade, então não fico nem um pouco à vontade quando preciso cantar sem me sentir efetivamente envolvido nisso, nem na crença, nem na mensagem. Por outro lado, as canções já batem fundo em mim, são conhecidas, são interessantes por envolverem cada vez mais sentidos em mim, então isso também me divide. Por outro lado, não sei como eu sou, se reservado, se expansivo, se calmo, se quieto, ou se exagerado. Não sei e sei que meus gestos afetam as pessoas ao meu redor, e isso me incomoda também. Não quero que minha fé seja tida de modelo por ninguém. Nem que aparente falta de fé qualquer gesto meu. Pois eu sei que minha posição ali é representativa, e pode levar a isso. Por sua vez, via como os meus colegas me seguiam quando eu aplaudia, quando eu cantava, quando eu me agitava mais, e isso de alguma forma me envaidecia mas também me envergonhava. Quem sou eu para dar exemplo, pensava eu. 

 

Por outro lado, agora eu começo a gostar das cerimônias, tal como ocorrem. Não questiono mais o gosto musical, nem o caráter mais popularesco (não no sentido pejorativo, mas costumo gostar de demonstrações religiosas mais contidas), nem o caráter das pessoas envolvidas, ou se de fato se mantêm atinadas àquilo que ocorre, ou seja, se não fazem nada de supostamente errado. Nada disso entra mais no meu cálculo de proximidade com a cerimônia. Muito ao contrário. Por outro lado, atenho-me ao meu lugar, à minha posição, e assim sendo compartilho de parte de minha imagem com todos, mas me mantenho reservado naquilo que estou especificamente sentindo. Vocês podem se perguntam por que mantenho tanta relutância. Creio que seja para não assinar embaixo de algo com que meus critérios não concordem, com que eu não me deixe levar por situações de contrapé, e que me obriguem a assumir posturas que não são especificamente minhas. Por isso, me mantenho a maior parte do tempo distante. 


Nesta ocasião, tudo foi bem de acordo com o estipulado. Acabei não recebendo a aspersão da água benta, cumprimentamos, nos posicionamos ao lado e fomos avisados erroneamente de nossa entrada. Mas não aconteceu nada fora do comum. Levei algum tempo para arrumar meus óculos, li minha parte, com diversos erros de pronúncia, mas bem. Comentei isso com o leitor da segunda parte, e depois de sua parte saímos e nos postamos no mesmo lugar. Não havia ninguém mais próximo na ocasião, e preferi ficar aos poucos bem perto do presbitério, porque o desnível me causava incômodo. Começava a sentir mais frio do que imaginava, e não sabia como iria aguentar. Comentei sobre o desnível com uma outra moça, já mais velha, que também fiz leitura, e ela me permitiu meu lugar. Ela depois subiu, fez sua parte, e desceu. Percebo sempre que essa senhora é bem concentrada na oração, e isso me agrada muito. Porque isso contribui para que eu também seja. Por outro lado, por algum motivo não me sentia excessivamente alheado em relação àquilo que acontecia. Senti que eu estava bem imerso na cerimônia, em sua importância. Isso é relevante para mim. 


Lembro-me de que acompanhei tudo bem atentamente. Que minha atenção não estava muito dispersa pelo local. Mas que também via como as moças, a loira e a morena, estavam ali. Ou seja, ficava meio atento ao seu lugar, à sua participação, como se fosse importante para mim. Mas não sei se era. Considero que estou meio carente, que preciso de companhia, e concebo que preciso de critérios para saber com quem poderia ficar (estou melhorando nisso). Naquele momento, minha atenção estava, sim, na cerimônia, mas também dispersa nelas, em seu lugar, sem que elas soubessem. A loira estava bem distante, e por vezes via sua cabeça, seu cabelo, ao longe. A morena, eu não sabia onde poderia estar. Procurava mas não a encontrava. Enquanto isso, eu acompanhava as falas, e a fala do padre, que utilizava porém de muitos artifícios oratórios que eu considero quase clichês, e isso me desanimava. Via tudo acontecendo e as pessoas cantando, e permanecia preso ao local e à cerimônia, mas também sendo enfrentado comigo mesmo, com meu desejo. Não posso negar que pensei um pouco na morena, que a vi depois quando apareceu, já no final de tudo, e que reparei que ela reparava em mim. Mas neste momento eu já estava imerso na cerimônia relativa à comunhão, então não reparei muito. Por sua vez, vi pela enésima vez uma senhora velhinha pegando as doações na liturgia correspondente, e isso sempre me emociona. Ver aquelas senhoras velhinhas, cada uma com sua atribuição, é algo que me compunge muito. Não sei bem por quê. Até porque sei que todos somos humanos, apenas, cheios de erros, e elas também. 


Depois da liturgia, tem um momento em que não é solicitado (insisto, não é solicitado) que a pessoa se ajoelhe. Mas é nesse momento em específico que eu quase sempre me ajoelho. É curioso, porém, porque de acordo com a tradição o momento em que o ajoelhar acontece ocorre depois disso, alguns minutos. Mas eu sempre sinto que preciso fazê-lo antes. Por isso, sempre não concordo com quem está ao meu lado. E pareço, quem sabe, excessivamente zeloso. Mas não é minha intenção, sinceramente. Eu simplesmente considero assim. Quando as pessoas então se ajoelham, de acordo com o rito, eu já estou lá. E normalmente me levanto antes delas, quem sabe. Ou permaneço mais tempo, não sei. Sei que eu preciso desse tempo para efetivamente curtir o momento e a ocasião. Eu sempre acabo dando muito pouco, mas muito do que tenho. E fico condoído com isso, embora seja a realidade. Uma coisa que acontece porém é que no meu caso quero que não seja apenas tradição, ou fruto da cerimônia, mas que seja sincero. Não quero de forma alguma ver-me fazendo algo somente porque é para fazer. Por isso, faço desse jeito. Pode parecer excessivo cuidado de minha parte, mas eu sinceramente penso que se a pessoa não faz com o coração não precisa estar ali. Simplesmente não precisa. 


Normalmente, esse é o momento na missa, tirando o momento da comunhão mesmo, em que eu mais me emociono. Porque sinto que é o momento de retribuir do meu jeito, de fazer o que posso, e de me compungir com isso. Mas geralmente reparo que não é assim ao meu lado, com as pessoas que me rodeiam. Elas parecem encarar tudo bastante simploriamente, como se precisassem se ajoelhar e tudo mais. Claro que existem as pessoas que parecem fazer o gesto com devida atenção. Geralmente essas pessoas são mais simples do que a média, são pessoas que não aparecem conversando, são pessoas que ficam ali simplesmente consigo mesmas, e que não chamam a atenção. Reparo que ali há uma sinceridade que me emociona. Mas ao redor não consigo simplesmente me sentir à vontade. Porque percebo que para quase todos isso é apenas uma cerimônia. Percebo também que algumas pessoas me olham e dão uma relevância especial aos meus gestos, que são sinceros. Há até pessoas que não me cumprimentam porque percebem que minha situação é sincera, compungida, e que não estou para conversa. Porque muitos estão ali simplesmente também pelo social, apenas. 


Neste caso específico, da missa, eu permanecia ali fazendo como sempre faço, me ajoelhando quando quero, me levantando quando quero, e não me submetendo apenas à cerimônia. Isso por vezes chama um pouco a atenção, e percebo que ali, na minha posição, era o que acontecia. Mas não liguei. Simplesmente é assim que eu me sinto à vontade. Até porque depois viria a comunhão e eu queria me sentir à vontade realmente com ela. Não como se estivesse apenas por estar. Pois ela ocorreu. 


Não quero com isto dourar a pílula de algo que é simples. Porque é mesmo simples. Neste caso específico, a moça ao meu lado perguntou se eu iria entrar para comungar. Eu disse que sim. Ficamos sempre a um lado, esperando ser chamados, passando pela frente, nos curvando e esperando a nossa vez. Nesse momento, a gente comunga e fica em algum lugar ali perto. Desta vez, eu fiquei no presbitério mesmo, me concentrando em mim mesmo, tentando não dar excessiva trela a um exibicionismo rasteiro, e pensando em mim mesmo, na comunhão e no significado disso na minha vida. Foi assim que fiquei alguns minutos ali, enquanto via as pessoas passando e a moça ficando do lado de fora, ajoelhada. Foi algo sincero e bonito, como quase sempre, mas o que diferenciou agora foi que fiquei sem me afetar com nada do que acontecia ao meu redor, muito ao contrário. Parecia tudo mais natural, como que me envolvendo por inteiro, sendo que eu não precisava mostrar nada para ninguém, nem para mim mesmo. O aspecto cerimonial estava sendo respeitado sim, mas principalmente o que acontecia dentro de mim. Foi bonito e suave. 


Não posso negar que o aspecto espetacularizante da situação nos pega pelo pé. Vermos como o outro se comporta, e não sentirmos como nós estamos nos sentindo. Repararmos aquilo como uma espécie de demonstração, quando é algo que se refere somente à outra pessoa. Avaliarmos conosco mesmos se aquilo parece o que é, quando no fundo não precisa parecer. Porque nós ficamos o tempo todo olhando para fora, quando precisamos olhar para dentro. Mas como somos seres que desejam, então pensamos assim, olhando para fora, avaliando, comentando, como se fosse mais importante. É um erro, claro. Mas todos nós cometemos esse erro. 
Um outro aspecto diz respeito à hóstia em si. A gente dá valor a ela quando acreditamos. Mas muitas vezes, quando a ingiro, fico pensando em seu valor simbólico e em seu valor real, meio que tentando fazer com que ela seja mesmo a carne de Cristo, quando eu sei que ela é. Mas por vezes meio que me esqueço disso. O significado ritualístico nesse momento como que supera tudo, como que supera o momento específico da hóstia sendo consagrada, e por isso sinto que preciso recuperar tudo o que ela significa naquele exato momento em que a estou ingerindo. É algo estranho, mas que com o passar do tempo assume um caráter mais relevante em mim. Pois sinto que aos poucos ela se torna mais e mais o corpo e a carne de Cristo, e que isso me afeta por dentro de alguma forma. Sei de muitos eventos que mostram que ela é o corpo e a carne de Cristo. Mas tudo isso não me interessa. Interessa-me o que eu sinto na hora, o que eu atribuo na hora, e o que posso auferir na hora de relevante para a minha fé, apenas isso. 

 

Depois da comunhão, vem aquele momento em que a gente sabe que o mais importante foi, mas que é seguido pela andança do Santíssimo no local. O santíssimo é Jesus numa plataforma em forma de Sol, e ele anda por toda a igreja, conduzido pelo padre que celebra a missa. Nesse momento, eu sempre tendo a ficar meio estranhado, porque sei que ele está lá, mas ao mesmo tempo considero aquela cerimônia um pouco exagerada, algo para chamar a atenção, ao invés de para reforçar a fé. Mas desta vez aconteceu algo estranho. Quando tudo foi acontecendo, eu fui me sentindo não propriamente dono de mim. Via aquilo, não entrava o significado, mas eu me prostrava. Tanto que quando ele passou ao meu lado o toquei, e tanto que por toda aquela cerimônia em me ajoelhei uma boa parte do tempo. Mas tenho que ser sincero, pois a minha mente estava em parte em outro lugar. Pensava em mim, pensava na cerimônia, via o santíssimo andando por ali, mas não me concentrava naquilo mesmo. Via a moça morena andando atrás dele, com seu porte, e reparava mais nela do que na cerimônia. Não estava sendo falso ao fazer isso. 


Simplesmente eu parecia estar cansado, e não sabia propriamente o que fazia. Por outro lado, me sentia compungido por tudo, sim, mas de forma alheada, como se não fosse propriamente eu. Isso aconteceu até o fim. E foi assim que tudo aconteceu. Ao final, não teve camisetas sendo jogadas, nem nada, e fomos rapidamente ao centro do santuário para a bênção final do padre. Senti que eu estava bastante bem, embora cansado, e que desta vez eu estava efetivamente envolvido em tudo. Não me parecia nada estranho, absolutamente nada. 


Naquela sala em que o padre fica, normalmente ficam mulheres mais velhas rezando as aves marias. Não gosto disso, geralmente. É como se não tivessem nada para fazer, como se estivessem passando o tempo, e nunca sinto aquilo como sincero. Mas durou pouco, ter que me submeter àquilo. Pois o padre chegou de repente, já começou a se arrumar, e abençoou a todos.


As moças haviam ido embora. A loira não estava no seu lugar, enquanto a morena se aprontava para ir embora. Ela nem me olhou praticamente, e vi que realmente era e é muito bonita. Cheguei a pensar em me aproximar de alguém, mas não o fiz. Fiquei quieto, e depois, ao descer para o café, também não me aproximei de ninguém. Fiquei vendo as pessoas indo e vindo da festa junina, e que tudo estava realmente ainda bastante agitado. Eu estava muito contrito, e nada emocionado. Simplesmente aquilo havia sido novamente muito importante para mim, e não queria comentar isso com ninguém. Percebi que as moças não desceram, que portanto eu não poderia falar com nenhuma delas, e como venho assumindo para mim o tempo assim é meu, ou seja, é assim que as coisas têm de ser.

 

Não busco apressar nem atrasar nada. Simplesmente assim parece que tem que ser comigo. Hoje, que é pela manhã, penso na minha vida e descubro com pesar o tanto de tempo que precisei para chegar ao meu estado atual, de um certo esclarecimento, e de bastante dor por causa disso. Mas hoje é a igreja, a missa, a participação, que me fazem viver melhor. Sinto que sem elas não conseguiria andar, não teria conseguido sequer chegar até aqui. E assim vou vivendo, sabendo também que não preciso fingir para ninguém o que sinto nem o que quero. 

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