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Calhou que coubesse ao dia de hoje a ocasião de eu finalmente me confessar e comungar. 


Tudo aconteceu de forma inadvertida, como quase sempre se dá na minha relação com a religião católica. Porque agora volto a ser católico.
 

Acordei tarde, sem receber a mensagem de um jornalista que quer falar comigo sobre um site dele e outros planos. Tarde demais, até. Me senti bastante mal com isso, mas ao mesmo tempo foi me difícil acomodar meus pensamentos para aquilo que eu devia fazer. Vi o sol e senti que queria descer, ao mesmo tempo em que queria tomar um café na lanchonete. Não tinha nada em vista. Mas não havia comido nada.
 

Agora que escrevo, a descida foi-me quase inadvertida, sem saber muito bem por que fazia tudo isso. Estava desejoso por um café, apenas. Mas estando lá me senti meio mal, fraco, e senti que se não comesse nada eu não aguentaria. Pensei várias vezes eu ir à Igreja, mas era um pensamento suave, pequeno, que não se impunha. Pedi um pedaço de pizza, calabresa, e me senti quase imediatamente melhor.

 

Quase sem perceber, então, me decidi descer a rua e ir à Igreja. Não pensei em passar no banco, embora quase ainda fosse possível. Fui descendo e vi o banco ainda aberto. Tirei um pouco de dinheiro que ainda restava, e fui à Igreja. 
 

Não sei o que aconteceu, mas, após passar na livraria e subir as escadas do santuário, me deu vontade de perguntar onde se confessava, e o rapaz/segurança me disse que subindo á direita. Subi e vi uma pequena lojinha.

 

Lá, perguntei onde era a confissão. Era numa pequena salinha envidraçada. Lá estava o padre, sem nada entre ele e eu. Fiquei meio amuado. Mas me convenci de que queria. Me emocionei algumas vezes antes de entrar e de falar com ele.
 

Quando entrei, e me apresentei, fui direto aos meus problemas, o que me incomodava, e terminei falando de mim, de quem eu era, meu nome e tudo mais. O Padre foi muito gentil, e falou diversas frases do Evangelho que já batiam forte em mim. No final, me deu uns conselhos de ordem genérica, me perdoou em nome de Jesus Cristo e Deus, e me pediu para rezar um Pai Nosso, uma Ave Maria, e uma Glória. Foi muito tranquilo e eu me senti realmente atendido por aquilo que acontecia. Eu me sentia realmente sendo perdoado. 
 

Em seguida, eu não sabia muito bem o que fazer, mas eu já pensava há muito em comungar. Era algo a que minha vontade me levava, diuturnamente, e que eu sabia que um dia teria de acontecer. Tem uma frase que diz que não se deve perder tempo para fazer isso - como que metendo medo nisso tudo.

 

Ela me ocorreu, mas eu sei que eu queria um café, pelo menos, eu me sentia libertado de alguma coisa, suave, e decidi tomar o café na lanchonete do mesmo santuário. Perguntei a que horas era a missa, e a moça que me atendeu, muito simpática, me disse que era às 19h.

 

Eu aproveitei para alinhavar algo de meus projetos em teatro num papel de banco, e subi.

 

Mas não era. Fiquei esperando até 19h15, e nada. Perguntei para uma moça e ela me disse que devia ser às 20h. Era meio tarde demais para mim, mas uma coisa estranha que aconteceu foi que, antes, quando descia as escadarias, uma moça me perguntou, meio sorrindo, se eu não iria ficar à missa, e eu achava que devia. Pois devia mesmo.

 

Eu encarei o aviso dela quase como uma premonição ou mesmo um convite, quase um começo de ameaça, e decidi ficar. Mas digamos que a situação me deixou ficar.

 

O fato é que eu queria, e que comungar não saíra de minha mente. Das 19h15 até as 20h eu fiquei entre o café e a livraria, vendo livros que não tinha condição de comprar, e até lendo uma nova edição de Bíblia que sinto que deva ser a minha. Digo-lhes então que tudo meio que conspirava para que eu ficasse. E foi o que aconteceu.
 

Fiquei num lugar perto da entrada em que, notei depois, pessoas meio despossuídas ou relutantes ficam. Mas foi sem querer. O lugar foi aquele em que eu decidira ficar, e não me parecia mal. Na verdade, era como se ele me pertencesse, porque o tempo todo ele ficou vazio, enquanto eu ia e vinha da livraria e do café.

 

Na missa, então, eu me senti bem pela primeira vez. Não me senti mal ao estar lá. Ao contrário. Ao contrário de muitas vezes, quando me sentia mal em companhia de outras pessoas, desta vez eu me sentia bem, com pessoas que não conhecia, que nunca tinha visto antes.

 

Eu não me sentia envergonhado, nem deslocado, nem como se estivesse num local estranho, que não me dissesse respeito. Pela primeira vez em muito tempo, talvez décadas, eu me sentia bem num culto, numa missa. Pois das outras vezes que aparecera fora como se eu fosse meio que um intruso, como se fosse admitido somente num favor, como se estivesse olhando de longe.

 

Agora, não. Agora eu olhava a cerimônia como um cristão bastante consciente do que fazia, e perfeitamente perdoado pela comunhão. O mesmo acontecia ao ouvir as músicas, que sempre me afastavam das missas pelo seu caráter suave, convidativo, de irmãos.

 

Era como se eu me sentisse mal ao ouvir algo bom, que era para o meu bem. Era como se algo me afastasse desse tipo de música, meio que com vergonha de estar lá. Era como se eu sentisse que aquelas músicas não tivessem sido feitas para mim, como se eu não as merecesse, como se eu não tivesse de alguma forma sido escolhido para elas, e isso me fazia sentir mal.

 

Eu me sentia acolhido sem querer sê-lo, ou sem a perfeita compreensão do que era isso, ser acolhido. Eu recusava, e não fazia sequer questão de entendê-las, de ver o seu significado, ou de reparar se elas combinavam com a ocasião.

 

Era também como se eu sentisse que elas fossem excessivamente boazinhas, comedidas, quando eu queria outra coisa. Era em parte algo de gosto, em parte algo de impropriedade, para mim, no meu caso particular. 
 

Mas agora eu me sentia bem. Não era porque havia me confessado, necessariamente, nem por estar com a visão embaçada pela cerimônia, nem por estar cansado. Eu me sentia bem porque sentia aqui dentro de mim o efeito dessa música, embalando a cerimônia, e percebia que eu estava sendo acolhido por algo em que eu de fato acreditava.

 

Porque eu havia passado por uma experiência bastante longa e atroz até chegar lá; porque eu sentia o efeito das leituras naquilo que acontecia; porque eu não imaginava aquilo com o olhar crítico de quem vê uma cerimônia antropológica, ou passível de questionamento em aspectos com que muitos não concordam; porque eu via aquilo como o que era, uma cerimônia de confirmação de uma crença que eu efetivamente tinha em mim, sem dúvida, e que me fazia curtir aquilo como uma pessoa de dentro do culto, e não de fora, como crítico. Eu não havia me abandonado como um ser não pensante a tudo isso que acontecia; eu continuava pensando e refletindo, mas com base numa vontade boa que me fazia ficar imediatamente mais feliz do que outrora; eu me sentia participando, realmente.

 

E era curioso, porque a cerimônia meio que faz acreditar em que estamos fazendo papéis de bobos enquanto cantamos aquelas músicas, recitamos aqueles trechos de livros e do Evangelho. Mas eu não sentia isso. Me sentia realmente aceito e fortalecido com tudo isso.

 

Sentia que fazia parte de algo em que acreditava, e que era aceito como eu era, não como eu deveria ser. Eu não precisava de mais nada para efetivamente participar de tudo isso. Eu estava pertencido pela ocasião. 
 

Eu estava e não estava com pressa. Estava, porque não sabia como a cerimônia ocorreria nos detalhes, e eu queria chegar ao ato de comungar o mais cedo possível. Não estava, porque sabia que a cerimônia transcorreria normalmente e que eu teria que esperar e curtir o evento, ao qual dou uma importância capital.

 

Eu não estava fixado na comunhão necessariamente, mas por vezes redundava a duvidar que ela ocorreria, e isso me deixava confuso. Era em parte como se eu realmente estivesse querendo ser aceito por algum lugar, por alguma paróquia, apenas, mas por outro lado isso me era indiferente, porque eu queria curtir o lugar, a cerimônia, e a sensação de estar sendo involucrado em algo em que eu realmente acreditava.

 

Os eventos que ocorriam me eram dados como inéditos, por um lado, e por outro lado pareciam já ter sido vistos incontáveis vezes. Pois a forma como eu os via parecia diferente; eu me sentia levado a encarar tudo aquilo como sagrado, porque realmente acreditava nisso, e por outro lado nada me obrigava a isso, vendo eu apenas uma cerimônia como qualquer outra.

 

Pois na verdade a novidade estava em meu olhar, na forma como eu me deixava conduzir pela condição por que eu passava, no olhar que eu dedicava àquilo que me acontecia, e na dedicação subjetiva sincera que eu experimentava.

 

Eu tirei meu crucifixo de baixo da camiseta e o pus bem à vista, sentindo-me muito bem com tudo isso. As pessoas ao meu lado e abaixo de mim se comportavam naturalmente, como se fosse uma cerimônia como qualquer outra, e até conversavam no celular por whatsapp ou por outras redes sociais enquanto tudo transcorria. Ao contrário de como eu pensava e me comportava antes, não tive vontade de lhes dizer que isso era errado. Ali era eu e Ele, apenas. 
 

A cerimônia começa e é acompanhada por muitas músicas, várias, cujas letras são exibidas em telões acima das pessoas. Não são músicas complexas, e a gente as acompanha levemente lendo o que é exibido. Minha maior dificuldade era entender o cantor, e acompanhar assim o que era dito.

 

Eu via um garoto portando um baixo elétrico e acompanhando e me lembrava de meus sonhos de ter uma banda não diria gospel, mas que acompanhasse um teatro que apresentasse músicas rock diversas. É uma ideia não muito antiga, mas que vem cobrando forma aos poucos, na medida em que minhas paixões conseguem sobreviver aos meus problemas.

 

Nesse dia mesmo eu havia escrito umas ideias de movimentos da banda enquanto apresentadas e sugerido para mim alguns encaminhamentos com respeito a movimentos e outros aspectos, me emocionando enquanto isso, porque é uma ideia bastante cara a mim.

 

Já durante a missa eu lembrava desses meus planos e me emocionava, como se algo que eu fizesse realmente pudesse causar alguma diferença em minha vida, hoje - e não pode.

 

Porque na verdade meu envolvimento com a religião inclui aspectos muitos mais sutis e leves, com os quais apenas começo a lidar em casa, sentindo-me em casa. Porque hoje sei que a evolução em termos de alma envolve aspectos que eu normalmente deixava passar, e que ficam bastante claros no meu dia a dia, como eu enfrento os problemas diários - e é bastante mal.

 

Na verdade, é como se eu sentisse que minha vida irá escorrer pelo ralo, com tantos sonhos mal ajambrados, e como se eu precisasse apelar para sentimentos internos que me convençam de que isso não vá ocorrer. Porque eu me sinto a maior parte do tempo completamente imerso em desesperança, em incapacidade de sequer cumprir com minha vida, imagine se posso fazer algo mais com ela, ou algo em prol de alguém. É como se isso me fosse proibido a maior parte do tempo, ou mesmo todo o tempo. 
 

Daí que alguém pode pensar que estou na religião e com a religião somente porque passo por problemas. Não diria bem isso, mas que avanço na religião para poder lidar melhor comigo mesmo e enfrentar os problemas.

 

Porque quanto mais o tempo passa mais eu noto que sem ela não consigo me equilibrar do jeito como sou, não consigo fazer de conta que vivo, enquanto vivo, e acreditar no pouco em que acredito sem que isso me leve a uma desesperança maior. Porque eu sinto que a vida sem ela se torna meio vazia, e que quanto mais tempo fico distante dela mais distante fico de mim mesmo, e de meus objetivos, e de uma forma de vida que quero para mim.

 

Porque eu não sei nem isso, hoje, e venho me descobrindo somente aos poucos, indo nessa direção. Claro que essa dependência em relação à religião pode se tornar perigosa, de alguma forma. Porque minhas leituras parecem só rondar os assuntos religiosos, e isso me atrasa em parte a vida, e faz com que eu me perca em elucubrações distanciadas do mundo real, embora elas também possam me ajudar, ajudar a que eu me encontre, em última instância. E por isso venho mantendo cuidado a respeito disso, e evitando me conduzir de forma a a toda hora me sentir sendo guiado por alguma mão ou não, ou outros eventos de ordem mais concreta.

 

Até porque, na vida real, eu não sou tão dependente assim, embora cometa erros básicos a respeito de muitos assuntos, em especial de relacionamentos pessoais. 
Durante a cerimônia, eu me emocionava aqui e acolá.

 

Por vezes, olhar o livro que era carregado, ou a forma pela qual o padre conduzia a missa, me emocionava levemente. Fato é que tudo era novidade para mim, há muito tempo eu não assistia uma missa inteira, e que aquele padre já era importante para mim, na medida em que eu havia me confessado com ele, e na medida em que ele havia sido muito singelo, simples e adequado em seu pequeno sermão no que me dizia respeito durante a confissão.

 

Fazia muito tempo que eu queria passar pela confissão, e aquela forma de se conduzir foi muito boa para mim, e eu já sentia um certo carinho pelo padre. Por outro lado, os trechos do livro de orações e da Bíblia que apareciam para serem cantados ou lidos eram muito importantes já para mim, e mesmo a ideia de citar o Eclesiastes, com aquela ideia de que há tempo para tudo, pegava forte em mim, e especialmente agora em que eu decidia dedicar um pequeno tempo à missa e à minha relação direta com Deus. Porque é assim que eu sentia, e eu me sentia bem com isso, muito bem.

 

Os momentos em que o padre falava de Santa Terezinha de Jesus, ao contrário do que eu esperava me animavam muito, e me faziam pensar em mim e em tudo o que preciso melhorar para me tornar alguém merecedor de uma vida. Porque é assim que eu me sinto, em geral: como não tendo me submetido a ser merecedor de uma vida.

 

Pois é como se eu vivesse longe de tudo e de todos, da cobrança mas também da presença, da possibilidade de me sentir cristão e obedecendo a algo que considere superior aos meus desígnios, e tudo mais. Era assim que eu me sentia até o momento de participar da missa, e de me deixar enlevar por toda a cerimônia e por tudo de bom que me era oferecido. Tanto que agora perco a missa das 20h e de certa forma eu me sinto mal, como se perdesse algo mais em meu relacionamento com o mundo, que é Deus.

 

Pois hoje sinto como que se Deus em embalasse, e  quando me perco noto que isso é só por minha causa, pura e simplesmente. 
Durante as falas do livro de orações e da Bíblia, conduzidas por outra pessoa que não o padre, houve toda a solenidade típica das missas católicas, que é algo que sempre me agradou. E aqui não foi diferente.

 

Eu gostava de ver a missa ser conduzida dessa forma, e até estranhava e desgostava um pouco de quando todos se metiam a cantar e a deixar seu pequeno testemunho - mesmo da escolha do casal que ficou lá na frente com a filha.

 

Porque eu sempre me acostumei à tradição, sempre gostei e me apeguei a ela, e todo meu esforço de ensino foi e é no sentido de capturar a verdadeira e forte tradição e de sabê-la compreender, e decifrar, porque nunca pensei realmente em questionar a tradição.

 

Claro, por outro lado, que sempre pensei em pensar por conta própria, mas o fato é que nunca pensei em realmente destruir nada do que me era ou é apresentado, mas acrescentar, tendo realmente sabido decifrar as lições dos mestres do passado. Porque na verdade o que penso é que um problema do presente é o de ter pouco passado, e o de ficar subjugado com um presente, que parece nada dizer, ou que diz muito pouco sem as luzes do passado.

 

E depois, ao dormir, vendo todos os livros que tinha ao meu redor, para serem lidos, reparei em como eu sempre quis ser um sacerdote do ensino, do ensinamento, e que esse prazer me foi negado por muitas formas, mas ao qual agora penso realmente em me dedicar. Porque sinto que se tenho vocação é mais ou menos essa, com base no meu saber acumulado, que além de não ser pouco tem uma ênfase de ordem moral e procedimental que pode agradar muita gente. Porque realmente sinto isso de minha vida, e aos poucos, na missa, eu sentia meio que retomando o meu real perfil enquanto homem, solteiro, separado, sem filhos, morando só, e quase o tempo todo se dedicando a decifrar o momento, a vida, a política e tudo o que interessa a todos. Porque com a missa eu me sentia seguro de mim, sabendo quem eu sou e entendendo o meu papel nesta travessia que é a do mundo. 
 

Mas a cerimônia avançava e eu parecia não ver momento em que a hóstia iria ser consagrada. Eu me sentia enlevado por tudo, mais do que eu jamais imaginaria, e sentia também que queria comungar finalmente, para fazer com que tudo ficasse resolvido em minha alma, afinal.

 

E o tempo avançava, o padre falava as palavras quando levanta a hóstia maior e eu não sentia o espaço para comungar.

 

Mas eis que de repente, os ajudantes se postam no local, ou sinto isso, e surgem três mulheres que vão comungar numa fila bem ao centro do local. Vou em seguida, sendo o único homem a fazê-lo, e depois, quando outros ajudantes surgem, surgem mais duas fileiras ao lado, para a mesma situação.

 

Eu me aproximo do padre e ele meio que vacila um pouco, ou reza, acho que reza, e me dá a hóstia, que eu como ali mesmo, aos poucos, enquanto sinto o peso de meus pecados irem embora, porque realmente senti isso, embora não somente ali, e sinto que começo a avançar na via e vida corretas, com a ajuda de Deus.

 

Um aspecto importante na ocasião foi que, logo a seguir, logo que eu comi a hóstia, tão logo a mordia saindo da frente do padre surgiu uma sensação de cheiro ruim, como se fosse o meu cheiro, como se meus problemas com odor viessem à tona, mas também como se o mal que me invadisse também viesse à tona e fosse embora, naquele exato momento.

 

Lembro-me de que essa sensação não foi boba, foi muito forte, e que incluiu diversos significados, que eu explico agora. Porque é como senti, como se algo em mim estivesse enfim indo embora, assim como um recado para que eu tome mais banho ou melhor, algo que venho fazendo mais, diuturnamente.
 

Os momentos a seguir, quando as pessoas voltavam aos seus lugares, foi algo que eu quase perdi, imerso em meus pensamentos sobre a comunhão, seu significado, o fato de eu finalmente ter passado por ela, e minha sensação de me voltar a mim por meio dela.

 

Porque a cerimônia foi realmente significativa, essa por que eu passei, e pela qual me senti passando, e minha sensação me fez abandonar-me à missa como um todo, assim como à sensação de estar finalmente liberto de muitas questões ou questionamentos que me impediam de viver. Porque nas horas seguintes até tentei pensar na Cris, mas quase não consegui, como se algo me impedisse e deixasse para trás tudo o que aconteceu.

 

Claro que de vez em quando vem alguma lembrança e alguma dor, mas não é como era antes, algo que me paralisava, e que me impedia de viver. Pois é, com a comunhão, como se a gente realmente dedicasse a Deus isso que passou, e como se isso não mais nos impedisse de viver, tando Deus nos perdoado e nós nos perdoado também. Porque é assim que eu senti, e foi de forma absolutamente concreta, algo que poderia traduzir em movimentos, e em sensações que só com minha intenção louca de sofrer eu poderia negar.

 

Mas não quero mais sofrer, embora sinta que haja muito a ser superado nesse sentido. Sinto, ao contrário, que quero viver, e que finalmente me afasto disso que me fez tanto sofrer. Porque a missa serviu também para isso, e foi incrível a sensação, algo que é impossível de lhes dizer, pura e calmamente. 
 

Eu fiquei pasmo a missa toda. Ela passou lentamente por mim, com movimentos no sentido de citar santos, de citar Santa Terezinha de Jesus e sua vida, de citar trechos do Evangelho e do livro de orações, mas eu me senti enlevado por toda a cerimônia. Quando voltei de comungar, me senti bem, acolhido, mas ao mesmo tempo me senti aliviado e plenamente aceito pela Igreja, como um todo.

 

Senti em que medida o trabalho dela é adequado e faz valer sua função, e como ela me acolheu bem nessa volta, triunfante, de uma pessoa que quase se perdeu de todo. Porque eu realmente me sentia fora do mundo, de alguma forma, fora do entrosamento com as pessoas, e com o mundo como um todo, e estranho a todo ele, como se ele não me dissesse nada, como se eu não tivesse nada a ver com o mundo, realmente.

 

Mas ao terminar a missa eu me senti reconfortado, com Cristo comigo, e com um alívio no coração que não significava um alívio necessário na mente, mas que o incluía, porque para cada coisa tinha o seu tempo, e o Padre bem citou o Eclesiastes nesse sentido. Foi quase uma hora e meia de missa, mas eu não a senti.

 

E creio, agora, que, embora eu precise mais de contato com a religião, e com missas, eu deva me afastar um pouco para sentir o efeito de tudo isso na minha vida. Porque o efeito é patente, e aconteceu logo depois, tanto ao falar com algumas pessoas quanto no meu entrosamento em casa, considerando-a como tal, como minha casa.

 

Esse efeito me trouxe, de forma geral (os detalhes passo a seguir), um maior esclarecimento quanto à minha situação, e também uma maior calma quanto aos passos que devo desenvolver, para me conduzir na vida. Também quanto à minha imagem, enquanto homem, e quanto aos problemas que experimento na vida que levo, para a qual a minha família está me ajudando.

 

O esclarecimento se dá com base em sensibilidade, de forma geral, mas também na forma como eu vejo as coisas que me rodeiam, e meu posicionamento a respeito delas. 
 

Ao final, o padre dá alguns conselhos, e notei como eles dizem respeito à necessidade de frequentar a missa toda semana, assim como de participar dos atos e atividades da paróquia, do santuário, e de cuidar para não deixar com que a missa passe batido, para que realmente haja uma transformação em nossas vidas. Pois eu senti que isso tinha a ver comigo e levei comigo.

 

Por outro lado, eu me sentia realmente mudado com a experiência, e sentia que devia compartilhar com as pessoas minha pequena - porque agora me vejo como sou, pequeno - travessia. Eu sempre senti isso, mas meu ego me fazia confundir isso com a vontade de me exibir e de me colocar como exemplo, quando isso não sou, realmente, nem tenho tanto assim para ensinar, embora conheça algo da vida.

 

No final, o padre faz com que a gente vá em paz, algo que me agradou profundamente, porque ele se coloca como nosso pastor, e em última instância é isso o que somos, somos cordeiros de Deus, e disso é sempre bom que nos lembremos, embora não precisemos mudar muito nosso comportamento no mundo em função disso.

 

Pois na verdade muito de meu comportamento arredio advinha do fato de eu não ser ouvido, de não ser levado em conta, ou de não sentir ser levado em conta, no caso, pela minha esposa. Mas agora, muito aos poucos, sinto-me andando finalmente, e a missa é fundamental nesse esforço. Só sabe quem experimentou ficar longe de Deus e de repente voltou, num processo lento, leve, respeitoso consigo mesmo e com os outros.
 

Fomos saindo, sendo que eu me ajoelhei brevemente, e notei que tanto o café quanto a livraria estavam fechados. E noto como isso ocorreu em minha vida, o refúgio no café por um lado, e nas livrarias por outro.

 

E como meu refúgio faz com que eu hoje me sinta cada vez mais envolvido em minhas atividades com o sentido letrado, de aprendizado mesmo, e como muito provavelmente a saída de meu estado de distância em relação às pessoas possa partir disso, de eu me aproximar por aquilo que sempre considerei meu sacerdócio, o ensino, e justamente nesta época estranha, em que tudo parece conspirar contra.

 

Pois o que importa é a nossa iniciativa, no fundo, e não apenas o que temos ao nosso dispor para enganarmos - sim, para enganarmos - o outro para ganharmos algum dinheiro. Porque essa questão sempre está envolvida em mim, eu virei uma pessoa que para se dedicar precisa agora trabalhar contra todos seus instintos, porque ficou mal acostumada, de vários sentidos, e precisa da religião para ajudá-lo. 
 

Na saída, esperei pelo ônibus, e havia uma vizinha lá. Mas falei demais sobre a Paula, algo que deixou ela meio afetada, e também falei indevidamente com aquele garoto, o Gabriel, de forma indevida.

 

O que importa é que percebi isso na hora, e ao mesmo tempo em que me conduzi a falar menos, também me conduzi a ser um pouco (digo, um pouco) menos exacerbado. Mas minha presença causa alguma presença com eles, dado eu ser conselheiro, e conhecer as pessoas e as situações.

 

Mas o que foi interessante foi que não me comportei da mesma forma. Por outro lado, disse que estava na missa com facilidade, até me estranhando com isso, mas esperei que o ônibus logo passasse, como se a religião pudesse cuidar disso. Mas eu estava ainda enlevado pelo que acontecera. Realmente, meu comportamento muda um pouco com isso, e sinto que aprendo demais nesse jogo comigo mesmo. 
 

Ao chegar em casa, me conduzi bem, mas o que mais importa é que, ao mexer os livros ao meu lado - e ao deixar para escrever este relato agora -, eu reparei como sou uma pessoa conduzida pelo saber, por projetos, e por tentativas de aprender e fazer aprender.

 

Percebi isso calmamente, como nunca antes, e entendi também em que medida eu devo me direcionar a isso mesmo, área para a qual estou mesmo dedicado. Ocorreu também que, ao tomar banho, e um longo banho, superando os 120, eu limpei o banheiro, e senti como nunca antes o valor que é cuidar das próprias coisas, no caso, aqui, da higiene do lugar.

 

Dormi bem e dormi muito, de novo, e de novo me arrependi. Mas acordei de alguma forma diferente, mais convencido do que sou e do que devo fazer. No dia seguinte, eu piorei novamente, mas com este relato assumi novamente o meu caminho, e me congratulo com isso.  

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