26/9/16
Hoje, quando fui pela primeira vez ao Santuário, senti-me inteiramente à vontade. Olhei um pouco os livros, especialmente aquele que eu primo em possuir (logo possuo). Depois, algo das imagens, que em determinados momentos me tocam. Olhei brevemente a imagem no Santuário, indicando-me a ela, mas eu não podia demorar, então fui embora. Nem tomei café. Na segunda vez, aproveitei para olhar os livros novamente, lendo um deles com maior detimento, sempre aquele que eu quero. Pois sinto que ele me explica melhor os Evangelhos, na profundidade que eu quero atingir. Uma profundidade atenta aos tons de fala, à forma pela qual nos relacionamos com os motivos do texto, e a uma maior descoberta do conteúdo, de forma a que eu saiba mais do que antes, mas ao mesmo tempo descubra acepções que normalmente passam escondidas para mim. (Reparo agora que eu tenho a Bíblia de Jerusalém, que explica bastante bem os livros mais recentes, não necessariamente os mais antigos. Leio-a, e ela me satisfaz. Eu sinto que preciso disso, preciso SABER mais, e que algo da trajetória do Olavo me agrada, porque me coloca onde quero, nas disposições que desejo, nas amplitudes que me fazem bem).
Ocorre que eu navego muito na minha relação com a religião, e que essa navegação me ajuda demais a lidar com outros assuntos, embora não seja realmente esse o objetivo de todo o processo. Eu sinto que me conduzo melhor na vida sendo cristão, que os critérios me são mais claros, que as pessoas me aparecem de forma mais transparente, e que eu sinto a vida melhor. Realmente.
Mas hoje, nesse meu intuito de entender melhor a mim mesmo, após passar no Santuário, de leve, eu fui até a casa do sr. Daniel. Eu havia comido muito pouco, realmente, sentindo ainda o sabor da laranja que havia sido meu almoço. Não entrei no café, e eu precisava de café, nem fiquei muito no templo. Ao contrário, me dirigi à casa dele, e eu sentia a dificuldade de ir até lá tendo comido tão pouco. Pois agora, em que busco cruzes que me agradem, que me satisfaçam, na minha lembrança da cruz e na minha vivência de Deus, eu me recordo exatamente daquele momento de luta, em que eu passava os quarteirões, e os subia, em direção à casa do sr. Daniel. Custou-me um esforço bastante grande ir até lá, onde me esperava um café e um pão e uma batata doce. E agora, eis que lembrando da cruz me lembro daquele momento, e entendo em que consiste realmente a cruz, por que temos de dar-lhe tanta ênfase em nossa vida, e por que nossa vida em última instância É essa cruz. Porque não me recordo muito bem de minha volta, que agora quase decoro, pelos lugares que visito, os cães que ladram para mim, as pessoas que vejo, indo e voltando, mas me lembro claramente da sensação de sofrimento e de peso que eu experimentava ao ir até a casa dele. Porque, embora me lembre bem de quando fui embora, após cotejar o tanto quanto havíamos escrito, me lembro melhor de quando lhe falei da missa que eu queria assistir, ou que talvez assistisse, e me lembro de como ele me contou da missa que ele iria assistir depois em sua comunidade, e me recordo claramente como me senti mais próximo dele com isso. Mas agora, ao ver cruzes, eu vejo como o peso da dor de ir naquelas condições me lembra da cruz, e da sensação que é carregá-la, e ao mesmo tempo me mostra saídas, e a satisfação de ter feito o que devia, ao mesmo tempo em que fui colocando-o no lugar, adiantando-me a problemas que ele me passava, e orientando-o naquilo de direito. Porque eu sinto que me conduzo muito bem ao fazer coisas práticas, mas tenho dificuldade em sentir a outra pessoa realmente, e que a cruz, e a religião como um todo, me aproximam das pessoas, de forma inapelável, quase impossível de deixar de reparar. Não é que agora imagino ir à missa às 12h, após claro trabalhar, e após encarar o meu afã com o peso respectivo, sim, mas com a congratulação de saber que faço o que devo? Pois depois esclarecimentos também me foram dados, e não posso deixar de aprender com tudo isso, de forma que antes eu não imaginava. Porque os dias são todos um aprendizado constante, e eu nem consigo direito sopesar como e o quanto.
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Calhou que coubesse ao dia de hoje a ocasião de eu finalmente me confessar e comungar.
Tudo aconteceu de forma inadvertida, como quase sempre se dá na minha relação com a religião católica. Porque agora volto a ser católico.
Acordei tarde, sem receber a mensagem de um jornalista que quer falar comigo sobre um site dele e outros planos. Tarde demais, até. Me senti bastante mal com isso, mas ao mesmo tempo foi me difícil acomodar meus pensamentos para aquilo que eu devia fazer. Vi o sol e senti que queria descer, ao mesmo tempo em que queria tomar um café na lanchonete. Não tinha nada em vista. Mas não havia comido nada.
Agora que escrevo, a descida foi-me quase inadvertida, sem saber muito bem por que fazia tudo isso. Estava desejoso por um café, apenas. Mas estando lá me senti meio mal, fraco, e senti que se não comesse nada eu não aguentaria. Pensei várias vezes eu ir à Igreja, mas era um pensamento suave, pequeno, que não se impunha. Pedi um pedaço de pizza, calabresa, e me senti quase imediatamente melhor. Quase sem perceber, então, me decidi descer a rua e ir à Igreja. Não pensei em passar no banco, embora quase ainda fosse possível. Fui descendo e vi o banco ainda aberto. Tirei um pouco de dinheiro que ainda restava, e fui à Igreja.
Não sei o que aconteceu, mas, após passar na livraria e subir as escadas do santuário, me deu vontade de perguntar onde se confessava, e o rapaz/segurança me disse que subindo á direita. Subi e vi uma pequena lojinha. Lá, perguntei onde era a confissão. Era numa pequena salinha envidraçada. Lá estava o padre, sem nada entre ele e eu. Fiquei meio amuado. Mas me convenci de que queria. Me emocionei algumas vezes antes de entrar e de falar com ele.
Quando entrei, e me apresentei, fui direto aos meus problemas, o que me incomodava, e terminei falando de mim, de quem eu era, meu nome e tudo mais. O Padre foi muito gentil, e falou diversas frases do Evangelho que já batiam forte em mim. No final, me deu uns conselhos de ordem genérica, me perdoou em nome de Jesus Cristo e Deus, e me pediu para rezar um Pai Nosso, uma Ave Maria, e uma Glória. Foi muito tranquilo e eu me senti realmente atendido por aquilo que acontecia. Eu me sentia realmente sendo perdoado.
Em seguida, eu não sabia muito bem o que fazer, mas eu já pensava há muito em comungar. Era algo a que minha vontade me levava, diuturnamente, e que eu sabia que um dia teria de acontecer. Tem uma frase que diz que não se deve perder tempo para fazer isso - como que metendo medo nisso tudo. Ela me ocorreu, mas eu sei que eu queria um café, pelo menos, eu me sentia libertado de alguma coisa, suave, e decidi tomar o café na lanchonete do mesmo santuário. Perguntei a que horas era a missa, e a moça que me atendeu, muito simpática, me disse que era às 19h. Eu aproveitei para alinhavar algo de meus projetos em teatro num papel de banco, e subi. Mas não era. Fiquei esperando até 19h15, e nada. Perguntei para uma moça e ela me disse que devia ser às 20h. Era meio tarde demais para mim, mas uma coisa estranha que aconteceu foi que, antes, quando descia as escadarias, uma moça me perguntou, meio sorrindo, se eu não iria ficar à missa, e eu achava que devia.
Pois devia mesmo. Eu encarei o aviso dela quase como uma premonição ou mesmo um convite, quase um começo de ameaça, e decidi ficar. Mas digamos que a situação me deixou ficar. O fato é que eu queria, e que comungar não saíra de minha mente. Das 19h15 até as 20h eu fiquei entre o café e a livraria, vendo livros que não tinha condição de comprar, e até lendo uma nova edição de Bíblia que sinto que deva ser a minha. Digo-lhes então que tudo meio que conspirava para que eu ficasse. E foi o que aconteceu.
Fiquei num lugar perto da entrada em que, notei depois, pessoas meio despossuídas ou relutantes ficam. Mas foi sem querer. O lugar foi aquele em que eu decidira ficar, e não me parecia mal. Na verdade, era como se ele me pertencesse, porque o tempo todo ele ficou vazio, enquanto eu ia e vinha da livraria e do café. Na missa, então, eu me senti bem pela primeira vez. Não me senti mal ao estar lá. Ao contrário. Ao contrário de muitas vezes, quando me sentia mal em companhia de outras pessoas, desta vez eu me sentia bem, com pessoas que não conhecia, que nunca tinha visto antes. Eu não me sentia envergonhado, nem deslocado, nem como se estivesse num local estranho, que não me dissesse respeito. Pela primeira vez em muito tempo, talvez décadas, eu me sentia bem num culto, numa missa. Pois das outras vezes que aparecera fora como se eu fosse meio que um intruso, como se fosse admitido somente num favor, como se estivesse olhando de longe. Agora, não. Agora eu olhava a cerimônia como um cristão bastante consciente do que fazia, e perfeitamente perdoado pela comunhão. O mesmo acontecia ao ouvir as músicas, que sempre me afastavam das missas pelo seu caráter suave, convidativo, de irmãos. Era como se eu me sentisse mal ao ouvir algo bom, que era para o meu bem.
Era como se algo me afastasse desse tipo de música, meio que com vergonha de estar lá. Era como se eu sentisse que aquelas músicas não tivessem sido feitas para mim, como se eu não as merecesse, como se eu não tivesse de alguma forma sido escolhido para elas, e isso me fazia sentir mal. Eu me sentia acolhido sem querer sê-lo, ou sem a perfeita compreensão do que era isso, ser acolhido. Eu recusava, e não fazia sequer questão de entendê-las, de ver o seu significado, ou de reparar se elas combinavam com a ocasião. Era também como se eu sentisse que elas fossem excessivamente boazinhas, comedidas, quando eu queria outra coisa. Era em parte algo de gosto, em parte algo de impropriedade, para mim, no meu caso particular.
Mas agora eu me sentia bem. Não era porque havia me confessado, necessariamente, nem por estar com a visão embaçada pela cerimônia, nem por estar cansado. Eu me sentia bem porque sentia aqui dentro de mim o efeito dessa música, embalando a cerimônia, e percebia que eu estava sendo acolhido por algo em que eu de fato acreditava.
Porque eu havia passado por uma experiência bastante longa e atroz até chegar lá; porque eu sentia o efeito das leituras naquilo que acontecia; porque eu não imaginava aquilo com o olhar crítico de quem vê uma cerimônia antropológica, ou passível de questionamento em aspectos com que muitos não concordam; porque eu via aquilo como o que era, uma cerimônia de confirmação de uma crença que eu efetivamente tinha em mim, sem dúvida, e que me fazia curtir aquilo como uma pessoa de dentro do culto, e não de fora, como crítico. Eu não havia me abandonado como um ser não pensante a tudo isso que acontecia; eu continuava pensando e refletindo, mas com base numa vontade boa que me fazia ficar imediatamente mais feliz do que outrora; eu me sentia participando, realmente. E era curioso, porque a cerimônia meio que faz acreditar em que estamos fazendo papéis de bobos enquanto cantamos aquelas músicas, recitamos aqueles trechos de livros e do Evangelho. Mas eu não sentia isso. Me sentia realmente aceito e fortalecido com tudo isso. Sentia que fazia parte de algo em que acreditava, e que era aceito como eu era, não como eu deveria ser. Eu não precisava de mais nada para efetivamente participar de tudo isso. Eu estava pertencido pela ocasião.
Eu estava e não estava com pressa. Estava, porque não sabia como a cerimônia ocorreria nos detalhes, e eu queria chegar ao ato de comungar o mais cedo possível. Não estava, porque sabia que a cerimônia transcorreria normalmente e que eu teria que esperar e curtir o evento, ao qual dou uma importância capital. Eu não estava fixado na comunhão necessariamente, mas por vezes redundava a duvidar que ela ocorreria, e isso me deixava confuso. Era em parte como se eu realmente estivesse querendo ser aceito por algum lugar, por alguma paróquia, apenas, mas por outro lado isso me era indiferente, porque eu queria curtir o lugar, a cerimônia, e a sensação de estar sendo involucrado em algo em que eu realmente acreditava. Os eventos que ocorriam me eram dados como inéditos, por um lado, e por outro lado pareciam já ter sido vistos incontáveis vezes. Pois a forma como eu os via parecia diferente; eu me sentia levado a encarar tudo aquilo como sagrado, porque realmente acreditava nisso, e por outro lado nada me obrigava a isso, vendo eu apenas uma cerimônia como qualquer outra. Pois na verdade a novidade estava em meu olhar, na forma como eu me deixava conduzir pela condição por que eu passava, no olhar que eu dedicava àquilo que me acontecia, e na dedicação subjetiva sincera que eu experimentava. Eu tirei meu crucifixo de baixo da camiseta e o pus bem à vista, sentindo-me muito bem com tudo isso. As pessoas ao meu lado e abaixo de mim se comportavam naturalmente, como se fosse uma cerimônia como qualquer outra, e até conversavam no celular por whatsapp ou por outras redes sociais enquanto tudo transcorria. Ao contrário de como eu pensava e me comportava antes, não tive vontade de lhes dizer que isso era errado. Ali era eu e Ele, apenas.
A cerimônia começa e é acompanhada por muitas músicas, várias, cujas letras são exibidas em telões acima das pessoas. Não são músicas complexas, e a gente as acompanha levemente lendo o que é exibido. Minha maior dificuldade era entender o cantor, e acompanhar assim o que era dito. Eu via um garoto portando um baixo elétrico e acompanhando e me lembrava de meus sonhos de ter uma banda não diria gospel, mas que acompanhasse um teatro que apresentasse músicas rock diversas. É uma ideia não muito antiga, mas que vem cobrando forma aos poucos, na medida em que minhas paixões conseguem sobreviver aos meus problemas. Nesse dia mesmo eu havia escrito umas ideias de movimentos da banda enquanto apresentadas e sugerido para mim alguns encaminhamentos com respeito a movimentos e outros aspectos, me emocionando enquanto isso, porque é uma ideia bastante cara a mim. Já durante a missa eu lembrava desses meus planos e me emocionava, como se algo que eu fizesse realmente pudesse causar alguma diferença em minha vida, hoje - e não pode. Porque na verdade meu envolvimento com a religião inclui aspectos muitos mais sutis e leves, com os quais apenas começo a lidar em casa, sentindo-me em casa. Porque hoje sei que a evolução em termos de alma envolve aspectos que eu normalmente deixava passar, e que ficam bastante claros no meu dia a dia, como eu enfrento os problemas diários - e é bastante mal. Na verdade, é como se eu sentisse que minha vida irá escorrer pelo ralo, com tantos sonhos mal ajambrados, e como se eu precisasse apelar para sentimentos internos que me convençam de que isso não vá ocorrer. Porque eu me sinto a maior parte do tempo completamente imerso em desesperança, em incapacidade de sequer cumprir com minha vida, imagine se posso fazer algo mais com ela, ou algo em prol de alguém. É como se isso me fosse proibido a maior parte do tempo, ou mesmo todo o tempo.
Daí que alguém pode pensar que estou na religião e com a religião somente porque passo por problemas. Não diria bem isso, mas que avanço na religião para poder lidar melhor comigo mesmo e enfrentar os problemas. Porque quanto mais o tempo passa mais eu noto que sem ela não consigo me equilibrar do jeito como sou, não consigo fazer de conta que vivo, enquanto vivo, e acreditar no pouco em que acredito sem que isso me leve a uma desesperança maior. Porque eu sinto que a vida sem ela se torna meio vazia, e que quanto mais tempo fico distante dela mais distante fico de mim mesmo, e de meus objetivos, e de uma forma de vida que quero para mim. Porque eu não sei nem isso, hoje, e venho me descobrindo somente aos poucos, indo nessa direção. Claro que essa dependência em relação à religião pode se tornar perigosa, de alguma forma. Porque minhas leituras parecem só rondar os assuntos religiosos, e isso me atrasa em parte a vida, e faz com que eu me perca em elucubrações distanciadas do mundo real, embora elas também possam me ajudar, ajudar a que eu me encontre, em última instância. E por isso venho mantendo cuidado a respeito disso, e evitando me conduzir de forma a a toda hora me sentir sendo guiado por alguma mão ou não, ou outros eventos de ordem mais concreta. Até porque, na vida real, eu não sou tão dependente assim, embora cometa erros básicos a respeito de muitos assuntos, em especial de relacionamentos pessoais.
Durante a cerimônia, eu me emocionava aqui e acolá. Por vezes, olhar o livro que era carregado, ou a forma pela qual o padre conduzia a missa, me emocionava levemente. Fato é que tudo era novidade para mim, há muito tempo eu não assistia uma missa inteira, e que aquele padre já era importante para mim, na medida em que eu havia me confessado com ele, e na medida em que ele havia sido muito singelo, simples e adequado em seu pequeno sermão no que me dizia respeito durante a confissão. Fazia muito tempo que eu queria passar pela confissão, e aquela forma de se conduzir foi muito boa para mim, e eu já sentia um certo carinho pelo padre. Por outro lado, os trechos do livro de orações e da Bíblia que apareciam para serem cantados ou lidos eram muito importantes já para mim, e mesmo a ideia de citar o Eclesiastes, com aquela ideia de que há tempo para tudo, pegava forte em mim, e especialmente agora em que eu decidia dedicar um pequeno tempo à missa e à minha relação direta com Deus. Porque é assim que eu sentia, e eu me sentia bem com isso, muito bem. Os momentos em que o padre falava de Santa Terezinha de Jesus, ao contrário do que eu esperava me animavam muito, e me faziam pensar em mim e em tudo o que preciso melhorar para me tornar alguém merecedor de uma vida. Porque é assim que eu me sinto, em geral: como não tendo me submetido a ser merecedor de uma vida. Pois é como se eu vivesse longe de tudo e de todos, da cobrança mas também da presença, da possibilidade de me sentir cristão e obedecendo a algo que considere superior aos meus desígnios, e tudo mais. Era assim que eu me sentia até o momento de participar da missa, e de me deixar enlevar por toda a cerimônia e por tudo de bom que me era oferecido. Tanto que agora perco a missa das 20h e de certa forma eu me sinto mal, como se perdesse algo mais em meu relacionamento com o mundo, que é Deus. Pois hoje sinto como que se Deus em embalasse, e quando me perco noto que isso é só por minha causa, pura e simplesmente.
Durante as falas do livro de orações e da Bíblia, conduzidas por outra pessoa que não o padre, houve toda a solenidade típica das missas católicas, que é algo que sempre me agradou. E aqui não foi diferente. Eu gostava de ver a missa ser conduzida dessa forma, e até estranhava e desgostava um pouco de quando todos se metiam a cantar e a deixar seu pequeno testemunho - mesmo da escolha do casal que ficou lá na frente com a filha. Porque eu sempre me acostumei à tradição, sempre gostei e me apeguei a ela, e todo meu esforço de ensino foi e é no sentido de capturar a verdadeira e forte tradição e de sabê-la compreender, e decifrar, porque nunca pensei realmente em questionar a tradição. Claro, por outro lado, que sempre pensei em pensar por conta própria, mas o fato é que nunca pensei em realmente destruir nada do que me era ou é apresentado, mas acrescentar, tendo realmente sabido decifrar as lições dos mestres do passado. Porque na verdade o que penso é que um problema do presente é o de ter pouco passado, e o de ficar subjugado com um presente, que parece nada dizer, ou que diz muito pouco sem as luzes do passado. E depois, ao dormir, vendo todos os livros que tinha ao meu redor, para serem lidos, reparei em como eu sempre quis ser um sacerdote do ensino, do ensinamento, e que esse prazer me foi negado por muitas formas, mas ao qual agora penso realmente em me dedicar. Porque sinto que se tenho vocação é mais ou menos essa, com base no meu saber acumulado, que além de não ser pouco tem uma ênfase de ordem moral e procedimental que pode agradar muita gente. Porque realmente sinto isso de minha vida, e aos poucos, na missa, eu sentia meio que retomando o meu real perfil enquanto homem, solteiro, separado, sem filhos, morando só, e quase o tempo todo se dedicando a decifrar o momento, a vida, a política e tudo o que interessa a todos. Porque com a missa eu me sentia seguro de mim, sabendo quem eu sou e entendendo o meu papel nesta travessia que é a do mundo.
Mas a cerimônia avançava e eu parecia não ver momento em que a hóstia iria ser consagrada. Eu me sentia enlevado por tudo, mais do que eu jamais imaginaria, e sentia também que queria comungar finalmente, para fazer com que tudo ficasse resolvido em minha alma, afinal. E o tempo avançava, o padre falava as palavras quando levanta a hóstia maior e eu não sentia o espaço para comungar. Mas eis que de repente, os ajudantes se postam no local, ou sinto isso, e surgem três mulheres que vão comungar numa fila bem ao centro do local. Vou em seguida, sendo o único homem a fazê-lo, e depois, quando outros ajudantes surgem, surgem mais duas fileiras ao lado, para a mesma situação. Eu me aproximo do padre e ele meio que vacila um pouco, ou reza, acho que reza, e me dá a hóstia, que eu como ali mesmo, aos poucos, enquanto sinto o peso de meus pecados irem embora, porque realmente senti isso, embora não somente ali, e sinto que começo a avançar na via e vida corretas, com a ajuda de Deus. Um aspecto importante na ocasião foi que, logo a seguir, logo que eu comi a hóstia, tão logo a mordia saindo da frente do padre surgiu uma sensação de cheiro ruim, como se fosse o meu cheiro, como se meus problemas com odor viessem à tona, mas também como se o mal que me invadisse também viesse à tona e fosse embora, naquele exato momento. Lembro-me de que essa sensação não foi boba, foi muito forte, e que incluiu diversos significados, que eu explico agora. Porque é como senti, como se algo em mim estivesse enfim indo embora, assim como um recado para que eu tome mais banho ou melhor, algo que venho fazendo mais, diuturnamente.
Os momentos a seguir, quando as pessoas voltavam aos seus lugares, foi algo que eu quase perdi, imerso em meus pensamentos sobre a comunhão, seu significado, o fato de eu finalmente ter passado por ela, e minha sensação de me voltar a mim por meio dela. Porque a cerimônia foi realmente significativa, essa por que eu passei, e pela qual me senti passando, e minha sensação me fez abandonar-me à missa como um todo, assim como à sensação de estar finalmente liberto de muitas questões ou questionamentos que me impediam de viver. Porque nas horas seguintes até tentei pensar na Cris, mas quase não consegui, como se algo me impedisse e deixasse para trás tudo o que aconteceu. Claro que de vez em quando vem alguma lembrança e alguma dor, mas não é como era antes, algo que me paralisava, e que me impedia de viver. Pois é, com a comunhão, como se a gente realmente dedicasse a Deus isso que passou, e como se isso não mais nos impedisse de viver, tando Deus nos perdoado e nós nos perdoado também. Porque é assim que eu senti, e foi de forma absolutamente concreta, algo que poderia traduzir em movimentos, e em sensações que só com minha intenção louca de sofrer eu poderia negar. Mas não quero mais sofrer, embora sinta que haja muito a ser superado nesse sentido.
Sinto, ao contrário, que quero viver, e que finalmente me afasto disso que me fez tanto sofrer. Porque a missa serviu também para isso, e foi incrível a sensação, algo que é impossível de lhes dizer, pura e calmamente.
Eu fiquei pasmo a missa toda. Ela passou lentamente por mim, com movimentos no sentido de citar santos, de citar Santa Terezinha de Jesus e sua vida, de citar trechos do Evangelho e do livro de orações, mas eu me senti enlevado por toda a cerimônia. Quando voltei de comungar, me senti bem, acolhido, mas ao mesmo tempo me senti aliviado e plenamente aceito pela Igreja, como um todo. Senti em que medida o trabalho dela é adequado e faz valer sua função, e como ela me acolheu bem nessa volta, triunfante, de uma pessoa que quase se perdeu de todo. Porque eu realmente me sentia fora do mundo, de alguma forma, fora do entrosamento com as pessoas, e com o mundo como um todo, e estranho a todo ele, como se ele não me dissesse nada, como se eu não tivesse nada a ver com o mundo, realmente. Mas ao terminar a missa eu me senti reconfortado, com Cristo comigo, e com um alívio no coração que não significava um alívio necessário na mente, mas que o incluía, porque para cada coisa tinha o seu tempo, e o Padre bem citou o Eclesiastes nesse sentido. Foi quase uma hora e meia de missa, mas eu não a senti. E creio, agora, que, embora eu precise mais de contato com a religião, e com missas, eu deva me afastar um pouco para sentir o efeito de tudo isso na minha vida. Porque o efeito é patente, e aconteceu logo depois, tanto ao falar com algumas pessoas quanto no meu entrosamento em casa, considerando-a como tal, como minha casa. Esse efeito me trouxe, de forma geral (os detalhes passo a seguir), um maior esclarecimento quanto à minha situação, e também uma maior calma quanto aos passos que devo desenvolver, para me conduzir na vida. Também quanto à minha imagem, enquanto homem, e quanto aos problemas que experimento na vida que levo, para a qual a minha família está me ajudando. O esclarecimento se dá com base em sensibilidade, de forma geral, mas também na forma como eu vejo as coisas que me rodeiam, e meu posicionamento a respeito delas.
Ao final, o padre dá alguns conselhos, e notei como eles dizem respeito à necessidade de frequentar a missa toda semana, assim como de participar dos atos e atividades da paróquia, do santuário, e de cuidar para não deixar com que a missa passe batido, para que realmente haja uma transformação em nossas vidas. Pois eu senti que isso tinha a ver comigo e levei comigo. Por outro lado, eu me sentia realmente mudado com a experiência, e sentia que devia compartilhar com as pessoas minha pequena - porque agora me vejo como sou, pequeno - travessia. Eu sempre senti isso, mas meu ego me fazia confundir isso com a vontade de me exibir e de me colocar como exemplo, quando isso não sou, realmente, nem tenho tanto assim para ensinar, embora conheça algo da vida. No final, o padre faz com que a gente vá em paz, algo que me agradou profundamente, porque ele se coloca como nosso pastor, e em última instância é isso o que somos, somos cordeiros de Deus, e disso é sempre bom que nos lembremos, embora não precisemos mudar muito nosso comportamento no mundo em função disso. Pois na verdade muito de meu comportamento arredio advinha do fato de eu não ser ouvido, de não ser levado em conta, ou de não sentir ser levado em conta, no caso, pela minha esposa. Mas agora, muito aos poucos, sinto-me andando finalmente, e a missa é fundamental nesse esforço. Só sabe quem experimentou ficar longe de Deus e de repente voltou, num processo lento, leve, respeitoso consigo mesmo e com os outros.
Fomos saindo, sendo que eu me ajoelhei brevemente, e notei que tanto o café quanto a livraria estavam fechados. E noto como isso ocorreu em minha vida, o refúgio no café por um lado, e nas livrarias por outro. E como meu refúgio faz com que eu hoje me sinta cada vez mais envolvido em minhas atividades com o sentido letrado, de aprendizado mesmo, e como muito provavelmente a saída de meu estado de distância em relação às pessoas possa partir disso, de eu me aproximar por aquilo que sempre considerei meu sacerdócio, o ensino, e justamente nesta época estranha, em que tudo parece conspirar contra. Pois o que importa é a nossa iniciativa, no fundo, e não apenas o que temos ao nosso dispor para enganarmos - sim, para enganarmos - o outro para ganharmos algum dinheiro.
Porque essa questão sempre está envolvida em mim, eu virei uma pessoa que para se dedicar precisa agora trabalhar contra todos seus instintos, porque ficou mal acostumada, de vários sentidos, e precisa da religião para ajudá-lo.
Na saída, esperei pelo ônibus, e havia uma vizinha lá. Mas falei demais sobre a Paula, algo que deixou ela meio afetada, e também falei indevidamente com aquele garoto, o Gabriel, de forma indevida. O que importa é que percebi isso na hora, e ao mesmo tempo em que me conduzi a falar menos, também me conduzi a ser um pouco (digo, um pouco) menos exacerbado. Mas minha presença causa alguma presença com eles, dado eu ser conselheiro, e conhecer as pessoas e as situações. Mas o que foi interessante foi que não me comportei da mesma forma. Por outro lado, disse que estava na missa com facilidade, até me estranhando com isso, mas esperei que o ônibus logo passasse, como se a religião pudesse cuidar disso. Mas eu estava ainda enlevado pelo que acontecera. Realmente, meu comportamento muda um pouco com isso, e sinto que aprendo demais nesse jogo comigo mesmo.
Ao chegar em casa, me conduzi bem, mas o que mais importa é que, ao mexer os livros ao meu lado - e ao deixar para escrever este relato agora -, eu reparei como sou uma pessoa conduzida pelo saber, por projetos, e por tentativas de aprender e fazer aprender. Percebi isso calmamente, como nunca antes, e entendi também em que medida eu devo me direcionar a isso mesmo, área para a qual estou mesmo dedicado. Ocorreu também que, ao tomar banho, e um longo banho, superando os 120, eu limpei o banheiro, e senti como nunca antes o valor que é cuidar das próprias coisas, no caso, aqui, da higiene do lugar. Dormi bem e dormi muito, de novo, e de novo me arrependi. Mas acordei de alguma forma diferente, mais convencido do que sou e do que devo fazer. No dia seguinte, eu piorei novamente, mas com este relato assumi novamente o meu caminho, e me congratulo com isso.
22/09
Hoje, acordei tarde, e com complexo de culpa, porque fiquei três horas morgando até levantar - achando que era pouco. Mas saí e fiquei até o último instante pensando se gastava o dinheiro que tinha, e gastei-o um pouco. Mas combinamos uma conversa na sexta na Belas Artes e ainda depois no sábado falar com o Aprígio. Mas entendi depois que precisava me dedicar e voltei com a intenção séria de me dedicar ao ensino. A leitura do livro do Groppa me foi quase revolucionária, tanto que surgiu, embora menos depois, e depois me dediquei com afinco a pensar o reforço de Português, avançando bastante. Refleti que agora a ênfase parece colar em mim, e pareço me convencer da posição possível, de poder de fato me dedicar ao ensino. Após umas duas horas ou três bastante dedicado e convencido - algo que antes me faltava -, desci e vi um morador com sua criança, e pensei em ensiná-la, em atuar com isso, e em como posso me sentir satisfeito com a função. A coisa parece engrenar em mim, enquanto dedicação. Eis que subo e leio ainda mais sobre espanhol, e continuo com o processo, sabendo que tudo demandará uma dedicação bastante grande, mas não desanimo, ao contrário. Mas desço lembrando da Cris, de seu amor para comigo, a partir de Fábio de Melo, e vejo que o Alexandre não está mais lá, e considero isso adequado, pois ele estava abusando. Foi bom eu me afastar um pouco; foi bom não me envolver com ele; foi bom entender que ele estava me usando, ou querendo usar o serviço para vontade própria. Aprendi bastante hoje, embora o livro do Groppa diminua sua atratividade com o passar da leitura. Mas considero que o ensino é de fato uma saída para mim, e não sei como irei fazer. Espero que Ele me ilumine. Escrevi também à Raka, tentando enfim entender em que medida isso que ela diz realmente me afeta. Começo a escolher com quem convivo, realmente. E a novidade ao tomar banho está me conquistando. Um dia consigo ter uma vida; tentarei até o fim. E mandei email também à Verticce, para não perder a chance.
21/09
Acordo tarde novamente, por causa do remédio, fico mais um pouco na cama, mas rememorando minha reflexão ontem, de que minha situação me faz pensar no passado como se tivesse sido uma saída, quando não penso mais a mim mesmo, aqui, enquanto futuro, enquanto o que sou e o que quero, e que isso me puxa mais e mais para um desalento, para uma situação em que me desconsidero cada vez mais, e que a religião serve, em parte pelo menos, para que eu me veja como sou, com o perdão que mereço, e que tenho de parte a parte, e com referências que fazem com que eu me encare como sou, com referências santas, com percepções que de outra forma não apareceriam, embora em determinados casos eu esteja muito em crise para pensar de forma própria e apropriada. A religião ajuda a que me encontre, e Deus, que eu sinto patentemente, faz com que eu me encontre mais, todo dia. Eu olho para a Cruz, esta pequena, que minha mãe me deu, e hoje eu me alegro só de vê-la, sabendo-a um símbolo, claro, mas entendendo-a de forma mais próxima a mim, sempre. O meu relacionamento com a cruz no Santuário hoje é diferente, também. Pois é como se ela me fortalecesse por estar lá, ao mesmo tempo em que se torna apenas uma cruz pintada na parede, e nada mais. Pois me aproximo ao mesmo tempo em que me afasto. Mas acordo e penso que realmente eu como que venho desistindo de ser alguém nos últimos meses, com os problemas que enfrento, e que isso me joga para baixo inadvertidamente, porque assim pensando é como se nada fizesse diferença. Como se eu tivesse jogado todas as cartas do baralho, como se eu não pudesse aspirar a mais nada, com minhas próprias forças, como se eu tivesse desistido. Por isso é que lembro tanto do passado, por isso a penso com tanto fervor, e por isso reflito se eu deveria ter feito o que fiz, e isso me corrói. Mas hoje acordei e fui me postar diante do computador com outra ênfase, mais perscrutatória, mais tentando auferir algum ensinamento do que via, e li alguns trechos da biografia de São João da Cruz, assim como trechos do livro do FHC, e reparei que isso pouco me diz hoje, tanto o primeiro como o segundo, o primeiro por insistir numa espécie de imagem de sensibilidade e gentileza que por vezes me parece exagerada e mesmo falsa, e o segundo por esconder a história por trás de linhas mal alinhavadas, alinhavadas em função de suas próprias convicções ou crenças. Nesse sentido, fui entendendo que esse aspecto do monástico, do santo, não me cai bem, e que não me convence por um lado, e por outro lado não me motiva, quando estou em condições normais. E nesse sentido o supero e percebo o que sou, aos poucos, sabedor de minha trajetória e de minhas convicções e saberes. Por outro lado, aquilo que minha condição me diz sai muito aos poucos, muito aos poucos consigo me deparar diante do que sou, e muito aos poucos consigo descobrir o que posso. Tudo se dá de forma sensível e tranquila, enquanto reflito sobre meus passos, e não penso mais no passado. Pois a gente só consegue tocar os próximos passos quando consideramos que os passos do passado já o foram, do seu jeito, mesmo com seus limites, e que os próximos nós temos de dá-los com sabedoria, com calma, e com muita nitidez, ao menos para nossa parte. E isso venho notando somente agora, ao reparar no que acontece, ao sentir que os fatos não me ultrapassam necessariamente, que eu ando para a frente, sim, mesmo que coisas negativas aconteçam, e que venham a me açambarcar. Mas isso é muito de leve, muito suavemente, refletindo sobre os passos enquanto acontecem, e entendendo como sou livre para me dirigir nos rumos que quero. Só assim as coisas assumem volume, parecem assumir, e não viram gestos desesperados, aos quais a gente reage sem saber o que está realmente fazendo.
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Vou comprar frango e não acho. Estava frio no caminho, e aproveitei para comprar uns biscoitos e tomar um café. Algo em mim pareceu se esvair, algo de minha preocupação. A realidade comete isso em nós. Pensei em algumas coisas, mas nada que me fizesse parar com reflexões exageradas. Subi e algo me dispôs a procurar sobre religião, via aquele teólogo de que o Fábio de Melo fala, o Queiruga. Achei muita coisa e algo sobre ressurreição. Como se essa fosse minha principal preocupação. Daí caí na real quanto à dimensão de minhas preocupações. Que são muito menores, é certo, mas que recaem no conceito que tenho de mim, enquanto homem, no conceito que se tem de mim, no conceito que muito concretamente as pessoas têm de mim, e nas minhas reais preocupações na vida, assim como em minhas opções de crescimento - ainda.
Sinto-me por vezes como se não tivesse estrutura ou estatura para enfrentar os menores reveses da vida. Isso me ocorre na prática, entre as pessoas, quando vou ao mercado, por exemplo; ou quando penso em falar com alguém, a respeito de qualquer assunto. É como se eu me sentisse, aqui dentro, totalmente desamparado, sem condições de argumentar. Como quando fomos, minha mãe e eu, ao banco resolver uma questão que me dizia respeito. Por outro lado, sei lidar com o mundo, até certo ponto, e não devo temer. Por outro lado, pareço saber fazê-lo só em determinadas situações ou ocasiões, como se eu precisasse de ajuda para me motivar a mexer com o que importa. Como se eu precisasse de um apoio maior, de alguma forma vindo de cima. Por outro lado, quando me meto nas situações, pareço dominá-las melhor do que os outros, e pareço saber me conduzir com elas, sem precisar de ajuda. Por outro lado, faltam-me critérios para decidir como quero as coisas que me dizem respeito, pois é como se pudesse decidir, mas não tivesse meios suficientes de acordo com os meus critérios de conduta ou claros, específicos, relativos às situações reais. Ou seja, como se tudo me escapasse. Daí penso nos problemas, e eles me parecem ao mesmo tempo pueris e impossíveis de cumprir. Por outro lado, se chega a noite, eu me acalmo, porque sei que nada mais vai acontecer. É como se eu precisasse da noite pela calma de não novidades que ela pode me trazer.
Por outro lado, chego em casa, no final da tarde, e - claramente mais calmo por algo que não aconteceu -, percebo que, se eu refletir calmamente em toda minha trajetória, todos meus dotes, todos meus talentos, e em tudo o que me aconteceu, posso concluir claramante que eu acredito piamente em muita coisa, que luto por essas coisas, e de forma concreta, e que supero o tempo todo obstáculos na direção que eu me propus. Ou seja, que tenho segurança, e não apenas nisso que diz respeito àquilo em que acredito, mas em fundamentos que fazem de mim o que sou, realmente. Por outro lado, é como se algo me impelisse a ir na direção que estimo, e como se a vida me arrumasse pretextos para me impedir. Porque sei que, se encontrar emprego, ou se me deixar levar por ocupações várias, terei de desistir nem que seja da motivação que me impele nessas direções, por outras motivações, que em outros momentos me distanciaram também de minha esposa, em prol de outras direções, que não segui. Ou seja, é como se algo me dissesse para ir em determinadas direções de forma patente como um penitente, como alguém que cumpre uma pena, até porque eu me sinto o tempo todo assim. Tanto que a falta de atração pelas mulheres, hoje, deriva de algo que me diz que elas não compensam, ao passo que minha atração por outras me diz que sou um homem com corpo, e que desejo, e que não consigo evitar. Ou seja, é como se, em minhas reflexões, eu me encontrasse por um lado e me perdesse por outro. E tudo como que insistindo numa vida que eu considero quase um sacerdócio, sem querer que ela seja propriamente isso, apenas.
Aqui comigo, eu me sinto cansado de tentar. Mas, mais que isso, me sinto cansado de esperar. Mas eu sei que está em mim uma esperança maior, algo que me obriga a continuar por vezes, e que essa esperança continua, mesmo com tão pouca possibilidade de ela dar certo, portas se fechando e ocupaçoes desaparecendo. Nesse sentido, pareço um garoto que quer descansar, que não quer ser acordado cedo para estudar ou trabalhar, e um garoto que quer, agora, em sua vida, fazer apenas o que quer. Mas sei que isso é besteira, e que preciso de continuar, preciso insistir e persistir em minha luta. Essa luta hoje está mais clara, de forma geral, mas ela muda em minha cabeça e vontade, e parece ser subjugada por outros pensamentos, algo que parece me afastar de mim mesmo em nome de uma pessoa medíocre que eu sei que não sou. Mas teimo por vezes, e até consigo, mas o que me impede é um desconforto, como se não valesse a pena, como se nada valesse a pena. É contra isso que tenho que lutar, assim como tenho que me enxergar como um homem que vale a pena, sim, e que tem sonhos que valem a pena. Pois só assim posso persistir e conseguir alguma coisa. É o que vou fazer.