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Uma hóstia, Jesus e uma lição


Vou contar aqui um evento que ninguém mais conhece, porque não contei em detalhes para ninguém. Um evento de certa forma íntimo, e que pode ser considerado apenas uma superstição para alguns, mas para outros pode acabar tendo outro significado. Preciso contar isso em detalhes, sopesando meus pensamentos íntimos com respeito a uma comunhão que fiz, ao sentido que lhe dei na hora, a como fiz em seguida, naquele mesmo dia, e a como tudo continuou acontecendo comigo. 


Domingo passado eu fui a uma reunião, um chá, do pessoal da catequese de minha igreja. Quem pagou minha participação foi uma amiga, que já esteve interessada por mim, mas que pelo visto não está mais. Comemos, conversamos, e fomos embora. Ela disse que não iria assistir à missa das 19h, o que eu achei um pouco estranho, mas tudo bem. Eu fiquei. Sobrava algum tempo então passei na livraria e tomei um café. Minha fé estava bem, eu não conversava com ninguém, e como sempre preferi ficar no sacrário durante o evento. Mas estava agitado, então desci algumas vezes. Mas assisti à liturgia das leituras, assim como à homilia. Fiquei o tempo todo bem focado em tudo, mas não sentia que algo era determinante em minha vida, ao menos naquele instante. 


Na verdade, pensando retrospectivamente, enquanto eu permanecia no sacrário, sem falar com ninguém, embora pensasse na missa e naquilo que ela realmente era, eu ficava preso a um estado meramente formal a seu respeito, como se ali não fosse acontecer o que era para acontecer - a transubstanciação. Tornara-se um evento formal, uma tradição, ou mesmo algo que respondia a uma vontade íntima mas à qual não correspondia nada de fato. Ou seja, era quase como se eu estivesse ali por estar, ao contrário de antes, quando encarava o sacrário com um respeito muito mais elevado, quando via as hóstias e percebia que ali estava ele, quando eu me ajoelhava sentindo que ali eu estava realmente entrando em contato com algo maior. Não que eu não estivesse ali sinceramente. Era sincero, mas era mais formal do que qualquer outra coisa.


Nesses momentos, eu cheguei a pensar ao menos umas três vezes em me confessar. Sabia - o monsenhor havia dito - que ali estava o padre Carlos, que gostava de falar comigo, e com o qual geralmente eu me confesso. Pensei nisso não porque eu devesse muito esclarecimento, dado que meu comportamento está bastante tranquilo e comedido, e que não tenho cometido muitos pecados, mas porque eu pensei por momentos que talvez fosse adequado. Mas não me motivei a isso. Pensei que estava bem do jeito que eu estava, que não precisava disso tudo, e que portanto não precisava dar tanta importância a isso. Minha convicção era bastante morna, sem muita força, e eu sentia que iria depois comungar sem também dar muita relevância a tudo aquilo. Tudo parecia muito formal, como já disse, como algo a que eu fazia jus mas cujo valor não atinava muito em mim. Lembro-me bem disso, não fico inventando agora.

 

Sabem quando a gente faz algo por fazer? Pois nesse caso era mais ou menos assim. Eu estava na cerimônia, fazia aquilo que me era solicitado por mim mesmo, mas mais por fazer mesmo, do que por qualquer outra coisa. 
 

Sei que o tempo passou. Fiquei ali, observando as pessoas, sem me ater muito à cerimônia em si. Eu não cheguei a pensar se estava pronto realmente para a comunhão, para a eucaristia, mas simplesmente sentia que formalmente nada me faltava. Por outro lado, queria dar importância àquilo, e pensar naquilo que tudo isso era - não necessariamente representava -, mas algo me retinha. Participei da eucaristia, a hóstia me foi entregue, enquanto eu me ajoelhava, e depois fiquei compungido num dos cantos do sacrário. Não me abaixei demais, não me compungi demais, não cheguei a sentir realmente o que tudo aquilo era - não necessariamente representava, faço questão de distinguir -, e senti a hóstia sendo consumida por mim, enquanto eu pensava nele, em Jesus, e naquilo que tudo aquilo deveria ser. Mas não estava muito contrito. Não me sentia excessivamente contrito, como deveria ser numa ocasião sagrada como essa. Fiquei ali ajoelhado e depois fui embora bastante antes do final da cerimônia toda. Não sei se me viram saindo, sei que eu estava pouco à vontade naquilo tudo, como se estivesse por crer, mas não estivesse crendo o suficiente. Faltava algo. Vi algumas pessoas me acompanhando com o olhar, mas saí.
 

Fui ao café. Precisava de um café, embora soubesse - e pensei na hora - que isso é proibido, tanto que inclusive falei a respeito disso para um colega da catequese. Mas, por algum motivo qualquer, por não dar importância, por sentir que não era de fato um evento sagrado aquele que eu havia experimentado, eu simplesmente não liguei para isso e tomei meu café. Na hora, nada aconteceu.

 

Simplesmente foi um café e nada mais. Paguei e acho que passei mais um pouco na livraria ou tomei algo de água. Sei lá. Sei que era bem tarde, mais das 21h, e que estava fazendo bastante frio na hora. Fiquei no ponto por algumas horas. Foi a ocasião de maior espera que experimentei ali naquele ponto desde que me mudei para o Taboão. Foi algo bastante chato, ver todo mundo ir embora, e eu sem saber como voltar para casa, sendo que não queria ir a pé, por causa da segurança, ou da falta dela. Pois fiquei ali tentando lidar com o frio aquele tempo todo até que o ônibus passou e eu pude ir para casa. Foi uma sensação bastante chata, mas tenho aprendido a ser mais paciente com esse tipo de coisa. Pois bem, cheguei em casa bem tarde, mais das 23h, e comecei a me aprontar para dormir. 
 

Foi esperando o ônibus, contudo, que percebi uma sensação estranha na boca. Era o que restava da hóstia que permanecia na minha garganta. Eu sabia que era isso, porque não havia comido mais nada. Sabia disso e entendia que eu havia feito errado ao tomar café após o recebimento dela. Pois era preciso estar em jejum, e mantê-lo por mais meia hora pelo menos para que o sacramento fosse consagrrado. Mas eu rompera com isso. Sabia disso, mas rompera. E foi justamente sobre isso que falei com um dos meus colegas. Das condições para receber o sacramento. Mesmo assim, eu não ligara.

 

No começo, a sensação de incômodo era pequena, como se tivesse algo entalado na garganta, mas sem me impedir de tomar água, de me sentir mais ou menos bem, de comer alguma outra coisa. Isso no começo. Mas com o passar do tempo o incômodo foi aumentando. Não sei bem como isso se deu, mas eu simplesmente sentia como se eu não estivesse conseguindo engolir a hóstia e receber o sacramento em função disso. Não me iludo que talvez tenha sido apenas uma questão física, do pão mesmo embebido em café, mas eu sentia que havia ali algo mais. Que talvez eu estivesse sendo impedido de receber o sacramento em virtude de tudo o que passara antes, e da pouca importância que eu dera para a ocasião. Eu sentia isso e ficava confuso, assim como um pouco nervoso. Porque eu sentia que era verdadeiro, que eu simplesmente não dera a importância que aquilo tudo merecia ter. 
 

Mas eu pensava que acabar com essa hóstia entalada na garganta seria algo fácil de lidar. Bastava chegar em casa, beber água ou comer alguma coisa e isso iria necessariamente descer. Bom, eu achava isso, e nisso depositava minhas esperanças. Sentia que isso, a hóstia entalada, embora não me impedisse de respirar, de beber água ou de comer, era algo que minava minha paz, porque eu sentia que fazia sentido eu me sentir assim, dado que eu comungara sem o devido cuidado, e não apenas por causa da hóstia. Pois eu cheguei então em casa e uma das primeiras coisas que fiz foi beber água. E comi também alguma coisa. Foi curioso perceber, contudo, que embora tudo isso descesse, a hóstia permanecia ali, em minha garganta, sem que eu pudesse fazer nada. Pois isso aconteceu à noite. Fui dormir, me sentindo mal por causa de tudo isso, e acordei da mesma forma, com a hóstia ainda firme e forte em minha garganta. Foi estranho, porque eu comungara tipo umas 20h, de um dia, e lá pelas 10h do outro dia ainda estava lá, ela, na minha garganta, sem fazer menção de desaparecer do meu horizonte. Foi então que comentei a respeito com uma amiga de internet, e ela simplesmente me disse para não pensar assim, porque Deus quer o nosso bem. Eu sei bem disso, mas ao mesmo tempo não conseguia imaginar outro motivo para ela não conseguir descer. Eu quase sentia que isso era uma espécie de preço a pagar pela falta de cuidado, e que eu tinha que encarar como uma espécie de lição, inclusive. Assim se passou TODO UM NOVO DIA com ela, a hóstia, em minha garganta. Eu estava ficando desesperado, até porque sentia que ela se tornava mais dura, que parecia não querer descer, nem sair pela minha boca, e que qualquer esforço que eu fazia não adiantava de nada. Pois assim foi que o dia se passou, que a noite também correu, e que nada aconteceu. 
 

No dia seguinte, eu senti algo diferente. Notem que eu pensara bastante no que aconteceu, e no caráter sagrado da presença de Jesus na hóstia, e que ficara envergonhado com meu comportamento. Notem que isso, esses pensamentos, eram sinceros, e que eu sinceramente me compungi a respeito, algo que não teria feito se a hóstia não tivesse permanecido em minha garganta. Pois foi assim também que a situação se tornou mais clara para mim, que minha condição de homem pecador se tornou também mais patente, e que eu percebi que precisava fazer algo a respeito. Pois no dia seguinte eu já não sentia mais a hóstia, que acabou descendo pela garganta. Curioso que isso se deu naturalmente, e que eu considerei quase adequado em relação àquilo que eu pensara. Pois aconteceu que percebi finalmente o peso da decisão de comungar, e o peso da hóstia em si, quando engolida com a convicção da fé. Pois foi assim que passados dois dias eu não sentia mais a hóstia em minha garganta. Mas meu alívio não era mais apenas físico. Havia algo maior nisso tudo, algo que agora faço questão de revelar, que é uma convicção ainda mais entranhada daquilo que o catecismo comenta, que é a presença real de Jesus na hóstia. Porque eu tenho que admitir que muitas vezes pensei a respeito. E que, mesmo acreditando, não entrava bem na vibe de acreditar.

 

Pois hoje é diferente. Isso que aconteceu transmutou algo em mim, realmente. E isso faço questão de espalhar para quem quiser saber. 

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