
Jesus pelo Evangelho
de São Marcos
(Este texto foi feito, em sua primeira parte (esta), como uma forma de responder à pergunta "Quem é Jesus para você?", feita pelo curso de catequese na paróquia do Santuário Santa Terezinha, de que fiz parte a partir de meados de 2017. Minha catequese era para conseguir a crisma. Não apresentei esse texto em nenhum lugar nem pretendi fazê-lo. Com o tempo, o texto tornou-se independente e passível de alguma pretensão explicativa. As notas e o texto mais palatável surgiu da possibilidade de ser publicado, aqui e em outros lugares)
O evangelho de São Marcos é o primeiro dos Evangelhos que consultamos para saber sobre Jesus. É o mais curto dos quatro, e aquele que narra de forma mais sucinta, com termos mais claros, a passagem de Jesus por entre nós. É um evangelho que me toma por seu poder de persuasão, e por mostrar Jesus vivo entre nós.
Mas Marcos era apenas criança quando Jesus apareceu e passou por todo seu martírio. O Evangelho, embora seja o primeiro a ser escrito, o foi a partir dos depoimentos dos discípulos. Ou seja, foi um escrito encomendado. Por sua vez, ele foi escrito após a morte de Pedro, o primeiro papa da Igreja, para manter a tradição viva e os ensinamentos de Jesus. Marcos foi um rapaz utilizado para isso. Ele era de família abastada, e embora tenha conhecido Jesus como criança, não foi além disso.
Jesus, no evangelho de São Marcos, aparece como um homem, dizendo expressões claras, e impondo-se diante dos seus contemporâneos como o Filho de Deus Vivo, mas imediatamente próximo de nós. Jesus aparece curando, rezando, fugindo de situações que considerava inadequadas ou fora de hora, e interpelando quem o interpelava com autoridade que os outros não tinham. E pregando. Ensinando. Sabendo bem claramente quem ele era e qual seria seu destino, para nossa salvação.
Curioso que em Marcos a passagem de João Batista seja mais curta que nos outros evangelhos, e que Jesus apareça já no momento em que é batizado por João Batista. A narrativa é depois clara e direta no momento em que Jesus fica quarenta dias e noites no deserto, sendo tentado. Neste ponto, o evangelho de São Marcos retrata, na tradição, ao evangelista com leões ao seu redor. O que fica disso seria a imagem de um leão clamando no deserto, com seu rugido.
Mas a narrativa com São João Batista é muito curta, e vemos em seguida Jesus pregando o Evangelho, para ele trazer quatro de seus apóstolos com ele. Eu sempre me emociono muito com essa narrativa, inclusive, porque vejo (sensorialmemnte) a João Batista anunciando a boa nova. Já quanto ao jeito como se narra, sentimos que Jesus quase tem pressa. Como se houvesse um redemoinho formando-se ao seu redor. Mas as viagens para as diversas cidades, os eventos e tudo o mais, tudo, é narrado calma e sucintamente.
Logo em seguida aparecem os prodígios feitos por Jesus. Ele já ensinava o Evangelho de Deus, mas mostrava poder ao tirar o demônio de pessoas possuídas, e ao querer que não se dissesse quem ele era. Percebe-se os prodígios no caso da sogra de Simão e dos doentes que passou a curar. A narrativa quase mantém um suspense ao redor de Jesus, dizendo-nos quem ele era, mas deixando-nos olhando de fora, como que nos tentando: acreditamos ou não? Não se fala muito sobre a disposição de Jesus naqueles eventos, mas nota-se que ele tem um tom imperativo, chamando os apóstolos claramente, intimando os espíritos maus a saírem dos corpos dos possuídos, etc. Jesus, embora pareça gentil, tem um comportamento forte, incisivo.
Do lado de fora, há consternação. As autoridades se espantam e pergunta-se quem será ele, que faz tantos prodígios, e ao qual comparecem tantas pessoas, desesperadas por males espirituais ou físicos.
Jesus o tempo todo parece em movimento. Mesmo quando abordado após estar em oração, ele se dispõe a ir a outros lugares, para anunciar o que ele tem a anunciar. Cura, pede para que os curados não falem quem ele é e o que pode fazer, mas é traído. As pessoas divulgam quem ele é e com o tempo ele se torna conhecido e impedido de entrar em alguns lugares. Mantém-se então de fora, em lugares despovoados. Nota-se o espanto e a confusão causada por ele ser o que ele é, o anunciador da Salvação, o Salvador e o Deus vivo. Ninguém acredita nele, mas todos pedem por ele. Não sabem o que ele quer. Mas quem acredita é salvo.
É curioso que minha impressão a respeito de Jesus mude um pouco com o correr do relato. Eu percebo que ele é o que diz ser, mas também que ele se mantém distante, por não poder ou não querer ou não convier se revelar por completo para aqueles que com ele conviveram, e por ele ser tratado com distância pelas pessoas que tinham medo daquilo que ele mostrava que era. Porque ele era o Salvador.
Nesse sentido, me interesso por ele, quero-o perto de mim, mas ao mesmo tempo percebo como isso é um exagero, querer o Filho de Deus comigo. Pois então percebo que todos clamam por uma Salvação, e como ele não pode se oferecer por inteiro. Porque ele sabe como nós somos, e como iremos negá-lo, e ao mesmo tempo como pretendemos retirá-lo do nosso foco, e olhar apenas para aquilo de que precisamos, sem saber se o merecemos.
Reparo, enquanto leio este Evangelho, como minha percepção de Jesus mudou com o tempo. No começo, ela (essa impressão) tinha mais a ver com aquilo que ele fazia, e, se tinha algo a ver com meu comportamento concreto, com minha vida. Pode parecer bobo pensar assim, agora, mas era assim. Aos poucos, com o transcorrer de minha experiência nele, tudo foi se tornando ao mesmo tempo mais claro e mais sujeito a dúvidas. Será que ele foi isso mesmo? Será que o relato é verdadeiro?, foram dúvidas que me assaltavam.
Mas com o tempo foi caindo a ficha, e fui percebendo que a verdade do relato descansava em camadas do texto que antes eu não conseguia decifrar, ao menos facilmente. Jesus foi então se tornando uma pessoa, por outro lado o Filho de Deus, e fui percebendo como sua trajetória teve a ver com seu próprio martírio, e com como o ser humano é em relação a si mesmo. Pois sabemos que, se não mudarmos, nós o iríamos tratar da mesma forma com que todos os trataram, deixando que ele fosse conduzido por um caminho que iria levar à sua Paixão e à sua morte - mas também depois à sua ressurreição.
Pois quando vivemos o novo ano, e o novo ano litúrgico, é como se tudo se repetisse, e como víssemos de novo como tudo é do jeito que foi concebido ser.
Percebemos que, enquanto Jesus avança, ele é procurado, e por outro lado que ele prefere ir para outros lugares, anunciar a Boa Nova. Penso em mim, quando me converti, ao menos em ato primordial, e quando resolvi pedir perdão por momentos e atos que eu havia cometido. Pois é como se ele tivesse vindo até mim, quando eu fui até ele. Jesus fica meio que dominado pela vontade de se expandir, de espalhar a notícia, enquanto os discípulos o querem com eles. Jesus não se apega.
Lembro-me também de quando ele aparecia em meio a minhas leituras iniciais, meio que falando comigo enquanto eu queria outras coisas, no caso o amor de uma mulher. Percebo isso e entendo que minha relação com ele se dá aos poucos, procurando-o e me afastando dele, como homem ser humano falho que sou. Pois percebo o quanto isso se reflete na imagem que tenho dele mesmo, e em como ele começa ou continua a tomar conta de mim, por dentro, enquanto exemplo e enquanto presença palpável, como quando o Santíssimo percorre o santuário e a gente sente algo diferente quando isso acontece.
Tenho lido várias vezes na missa das 15h. Nessas leituras, faço relatórios, tentando entender em que medida tudo aquilo me toca mais e mais. E percebo nesses relatos cada vez mais a presença palpável de Cristo, embora por vezes eu estranhe que me relacione assim com a cerimônia, com certas dúvidas. Porque essa presença palpável se dá no meu interior, sendo que ao mesmo tempo eu me sujeito ao seu jeito de ser, tentando imitá-lo, como em Imitação de Cristo, de de Kempis.
Noto que para poder avançar em mim mesmo eu não posso mais me restringir a ser do jeito que eu sempre fui, eu tenho que desistir do jeito que eu era, e assumir para mim mesmo seu exemplo. Por outro lado, o que vemos no relato é algo bastante forte, porque Jesus por vezes fica irado, por vezes exige submissão sem se ater a isso, porque conhece todos melhor do que eles mesmos.
Há muitos trechos que nos deixam confusos. Como no leproso que disse que se Jesus quisesse ele se curaria. Ocorre que Jesus ficou irado na hora, e o ameaçou para que não contasse o que fez para ninguém. No caso, Jesus pediu que ele fizesse sacrifício em nome de sua purificação (não salvação, nem cura). Ou seja, Jesus queria que o homem fizesse jus àquilo que lhe havia sido feito. (Posteriormente, numa missa, o padre explicou que, ao se sacrificar, o homem iria ser purificado diante das instituições, que o mantinham excluído).
Mas o homem, ao contar a todos a notícia de sua cura, como pregação, acabou prejudicando Jesus em sua tarefa de anunciar a boa nova para todos. Ou seja, agora ele não podia entrar publicamente nos lugares: ficava fora, ficava no deserto. Sendo que agora as pessoas iam procurá-lo, mas sempre em função daquilo que ele podia fazer para eles.
Há alguns dias li trecho do Evangelho na missa das 15h. Pouco antes, encontrei um pedinte na rua, e lhe disse por que ele não ia à igreja. Ele desviou o olhar, como eu mesmo desviava há alguns meses, e em seguida saiu correndo, como se eu estivesse lhe desejando algo ruim. O rapaz queria comer, é claro. Mas quem é que não poderia imaginar que na igreja ele não poderia encontrar o que ele queria? Comida, no caso. Pois o que mais me espantou é que ele se afastava de mim como se eu estivesse lhe desejando algo ruim.
Lembro-me como eu me afastava de quem falava a palavra, e como eu agora percebo como todos têm a ver comigo, e portanto me aproximo deles. Antes, era eu que me afastava. Que duvidava, que não queria saber de ninguém. Lembro-me de quando eu tinha dificuldades, quando não queria saber da minha família, nem da minha mãe.
É curioso, quando Jesus cura o paralítico, perdoando seus pecados, como essa questão relativa a pecados é o que bate nos doutores da Lei, como se não fosse permitida. Porque nesse momento Jesus pergunta o que é mais fácil, dizer isso ou aquilo outro, e isso confunde os doutores.
Em relação ao homem, Jesus simplesmente lhe ordena que ande e que pegue suas coisas, sendo antes de mais nada que lhe oferece o perdão dos pecados porque acreditou. Isso os doutores não conseguem aceitar, que com base na crença alguém perdoe algo que parece distante de suas forças. Pois ocorre que Deus faz isso. E que Jesus fez isso enquanto Filho de Deus. Nesses momentos, ficamos maravilhados, como nos maravilhamos com coisas humanas. Mas esta é sobrehumana, é maior do que isso.
Hoje torna-se comum falar mal dos fariseus, como se tivessem sido pessoas erradas, que não viram o que estava óbvio. Ocorre que Saulo, futuro São Paulo, era fariseu. E que ele valorizava como ninguém a Deus, e aos seus desígnios, tendo sido depois o maior apóstolo de Deus. Neste momento da história os fariseus aparecem como pessoas mal-intencionadas, que queriam porque queriam condenar Jesus apesar de tudo o que viam e experimentavam.
Ocorre porém que eles temiam a Deus, e que seguiam a história do Evangelho à risca, com muita fé. Mas, quando viam Jesus, como que se surpreendiam e percebiam uma blasfêmia naquilo que Jesus dizia. Porque seus corações estavam fechados. E o que vemos aqui é que, por detrás da ira de Jesus, há um amor maior, aquele amor que dedicamos a ele quando o vemos na missa.
Eu leio então sobre como quando Jesus chamou Levi, o cobrador de impostos, e como depois ficava tomando refeição com os cobradores de impostos, e quando encarado pelos fariseus com isso, ele responde que quem tem saúde não precisa de médico, mas quem não a tem é que a precisa. Pois eu chego a me emocionar, porque o chamado para revelar a sua palavra vem já aqui, quando ele nos mostra o que devemos fazer, realmente, e não o que deveríamos fazer segundo o costume.
Isso me emociona porque vejo claramente o recado dirigido a mim mesmo, por exemplo. Por sua vez, noto como isso contradiz o que costumamos ver por aí, e mesmo nossa prática como cristãos, que gostamos de estar apenas com aqueles que já concordam conosco, quando devemos seguir o exemplo de Jesus e levar a palavra a outros lugares, a outros ambientes, a quem não nos quer - e que talvez nos considere loucos.
Ocorre que aquele povo esperava pelo Messias. Ansiava por ele. Esperava por ele para ter sua terra, para poder encontrar a paz no Senhor. Mas o que ele via? Um homem que vinha de um lugar distante, de um lugar de zé-ninguém, e que se punha a ensinar sem ser um homem aparentemente instruído, a se opor às autoridades religiosas, a questionar ou mesmo destruir o caráter sagrado de coisas que eles seguiam (dias santos, lugares santos, etc.), que questionava e que mostrava, em seus atos, que era quem parecia ser - mas que por outro lado não parecia obedecer a tradição.
Vejo, nesse sentido, Jesus como um sujeito provocativo, forte e ao mesmo tempo doce, que deslocava a atração daquilo que parecia importar, e que colocava sua ênfase em outro lugar, sem que ninguém soubesse o que iria acontecer dele - embora alguns ansiassem. Jesus não era amado, propriamente, era mais temido do que amado, e por outro lado quem se beneficiava de seus milagres não sabia o que fazer, e não o obedecia, saía gritando que ele havia feito isso, quando talvez nem fosse adequado - para as condições, para aquelas pessoas.
Ocorre que as pessoas acorriam a ele, imploravam por ele, e não entendiam claramente o que ele falava.
As passagens do Evangelho são muito claras, mas dão margem a muitas interpretações. Elas por vezes me confundem, ou parecem me levar a alturas que eu não conseguiria alcançar sozinho. Como essa em que os discípulos perguntam a Jesus com respeito ao jejum, a ser mantido ou não.
Pois poderia parecer insolente naquela época Cristo se tomar como o noivo esperado, diante de gente que esperava um Messias que não parecia ser, em suas mentes, aquilo que ele era. Pois eles esperavam um salvador que conseguisse libertar o povo das garras seculares de outros povos, quando ele prenunciava uma salvação maior.
Aqui, nesta parábola, Jesus se coloca como aquele noivo em frente ao qual as pessoas não deveriam jejuar, porque ele estava presente, enquanto por outro lado ele também comenta aquelas imagens de pano novo - remendo velho e de vinho novo - barril velho, dizendo que era preciso reformar o que existia para poder ter acesso ao novo que vinha.
Ocorre ele dizia que aquilo que era novo era ele, Jesus, e que portanto as pessoas teriam de se questionar quanto ao que fazer diante dele, que se colocava presente para salvá-los. Pois diversas passagens vêm à minha mente somente agora, enquanto penso e reflito em o que Jesus é em minha vida, e naquilo que eu preciso mudar em mim mesmo para poder aceitá-lo não tal qual ele foi, mas tal qual ele é.
Pois Jesus está sempre aqui, enquanto muitos o consideram apenas como uma personagem histórica, que foi e que portanto deve ser avaliada com maior distância, como se fosse alguém que tivéssemos que encarar com desconfiança. Quem não pensa assim, porém, pensa a Jesus em sua presença efetiva em sua vida, porque ele está aqui conosco. Por isso também tenho dificuldade de entender em sua volta, dado que ele para mim está sempre aqui.
Creio ser a primeira vez que eu reparo como a trajetória de Jesus na Bíblia, e creio que especialmente neste Evangelho, é como um relato de pequenos eventos em que seus discípulos e ele eram abordados por pessoas que queriam seu desastre, sua ruína. Pois noto isso enquanto leio o trecho em que Jesus e seus discípulos coletavam as espigas num dia de sábado.
Pois claro que a questão do aparente rompimento de uma tradição é o que mais vem à tona. Mas por outro lado essa questão não expressa o clima em que tudo parece acontecer. Vemos todos eles no meio dos campos, sendo abordados pelos fariseus, e percebemos o quanto há um chamado a algo simples, um ato de coleta puro e simples, e como parecemos ver a todos serem abordados desnecessariamente por gente que lhes criava problemas. Jesus nesse sentido quase representa um grito de liberdade, em que faz uso de trechos dos relatos antigos para justificar a si mesmo, e aos discípulos, como se isso fosse realmente necessário - e sabemos que não é.
O relato de Marcos é nesse sentido quase jornalístico, distanciado, expressando a notícia do que vê e por outro lado uma mensagem que parece escapar daquilo que é meramente dito. Logo em seguida vem o relato do homem da mão seca, e como as pessoas esperam Jesus fazer uma cura no sábado, endurecendo o coração, e vendo todo subterfúgio para condená-lo. Era como se Jesus fosse indesejado onde quer que fosse, fazendo tudo o que fazia. Daí compreendemos sua tristeza, mas também percebemos como muitas vezes fazemos o mesmo com quem faz o bem.
Sinto uma solidão muito grande no personagem de Jesus, aqui neste ponto, e percebo o quanto seu destino foi em grande parte traçado por todos os que o rodearam, e mesmo por aqueles que o seguiram. Percebo essa solidão e fico triste e sinto compaixão pelo homem, sabendo que nós também seguimos sua trajetória quando resolvemos seguir os seus passos. Vemos a Jesus se afastando, indo rezar, e como as pessoas o seguiam, sem contudo compreendê-lo. E percebemos que seu destino está traçado por eles e por nós.
Vemos as pessoas com problemas espirituais reconhecendo-o, com seus espíritos imundos, mas com ele pedindo ou ordenando que não dissessem quem ele era. Porque percebemos o seu destino e sofremos com isso. Claro que quando vemos o relato apenas distanciados, como se fosse de apenas um homem, sofremos menos. Mas quando o sentimos ao nosso lado, nos compadecendo de nossas próprias feridas, percebemos mais. Mas para isso é preciso crer, acreditar mesmo nele.
Essa solidão de Jesus fica clara quando percebemos que ele, após encontrar as multidões, ser abordado e ser provocado - e retrucar -, se retraía, se retirava, ora para rezar ora para ir a outros lugares, mais afastados, ora simplesmente para ficar com quem era mais próximo a ele. Nota-se que as pessoas que o abordavam e que o seguiam eram de muitos lugares, como se fossem povos em busca de uma salvação. Mas percebemos que essas pessoas eram dos lugares, não necessariamente eram representantes deles.
Ou seja, eram pessoas excluídas, passando necessidades, pessoas que não tinham resposta, nos lugares em que viviam, aos seus problemas. Eram pessoas carentes de solução para suas vidas. Vemos quando Jesus pede que os discípulos lhe façam uma barca, para que ele não ficasse espremido, e percebemos o que isso significava enquanto cena. É como se ele não tivesse mais lugar para si mesmo, apenas para seu corpo, e como se a carência das pessoas fosse tanta que não lhe desse espaço para o que ele era, um homem em busca de um rumo de salvação.
Por outro lado, percebemos também que ele era incompreendido, os discípulos o obedeciam, é certo, mas no fundo ninguém sabia mais o que fazer consigo nem com ele.
Estamos apenas na metade do 3o capítulo do livro de São Marcos, o mais curto, com 16 capítulos, mas sentimos como a história parece correr ao nosso redor, vendo tudo acontecendo com ele enquanto nós ficamos aqui parados, como testemunhas.
É assim que vemos o momento em que Jesus sobe a um monte e escolhe os 12 (inclusive Judas) que iriam segui-lo e espalhar a sua boa nova, a sua notícia, a sua história. Percebemos isso e entendemos como deve ter sido difícil e estranho encontrar um momento para reuni-los, distantes da multidão, e escolhê-los para seguir um caminho que eles não estavam prontos para seguir - pois todos o iriam trair. Percebemos isso e sentimos que a vida corre rápida, e que não temos também tempo.
Pois nossa vida também corre assim, e sem que possamos pará-la, controlá-la ou saber o seu fim. Notamos como ele dá autoridade para eles, e para eles expulsarem os demônios, e entendemos toda a série de mal-entendidos que surgiu com a expressão, alguns pensando em demônios claros, específicos, outros pensando em algo mais metafórico, outros pensando em critérios mais intelectuais. Seja como for, sentimos como ele expressa a autoridade e como os que o seguem parecem cordeiros dispostos a fazer tudo, mas sem saber realmente o que faziam.
O dia está amanhecendo, forte, com o Sol dominando todo lugar escuro aqui de meu apartamento, mas acordo cansado, como se muito tivesse acontecido, e muito tivesse ficado por resolver, mas eu tivesse em mim a convicção de que meu trabalho ainda está começando, apenas. De que muito me espera, talvez decepções, e que pouco tempo tenho para fazer tudo o que quero, ainda. Penso em Jesus nesse momento em que ele foi questionado em ter sido de Satanás (pensem na imagem dele), e percebo como a incompreensão parece ter dominado todos os seus passos, e em como ele fez para retrucar para ela.
Por outro lado, percebemos que ele usa de argumentos lógicos para fazer isso, como eu mesmo tento explicar para as pessoas coisas corriqueiras tentando usar da razão. Mas sabemos como isso é inútil, na maior parte dos casos, porque as pessoas não vêem a razão, muitas vezes, vêem apenas aquilo que querem ver, e aceitam somente aquilo que elas mesmas pensam a priori, como se fosse uma verdade absoluta à espera apenas de uma confirmação.
Por outro lado, percebo como, quando a pessoa acredita, também faz o mesmo, em última instância, vendo milagres onde existem coincidências, ou aspectos místicos onde apenas existem coisas bonitas, etc. Porque o ser humano parece predisposto a somente ver o que quer ver, e nada mais.
Pois aqui, neste trecho do Evangelho, Jesus passa um parágrafo inteiro contando, a quem já o conhecia - especialmente ele -, como ele não poderia ser quem eles pensavam, e isso de forma condoída, como que justificando algo que ele não precisava. Porque quando somos atacados injustamente é dessa forma, como que insistindo em algo que nos causa uma dor muito profunda, por ser injusto passarmos por isso, e por termos de nos abaixar para falar com a ignorância. Claro que Jesus não fica apenas com isso, ele diz que os outros, quando o atacam, blasfemam, e transforma assim a acusação em ainda outra, mas dita compassivamente.
Por vezes, os trechos do Evangelho parecem querer nos provocar e nos ensinar algo que é difícil de repetir. Quando logo em seguida Jesus é chamado para fora de um lugar em que ele está ensinando, sendo que lhe dizem que é a família que está lá fora, no que ele responde que sua família são as pessoas que estão ouvindo-o. É curioso que quando Jesus é crucificado ele tem a mãe aos seus pés e seu irmão, e que ele conduz um ao outro. Mas em que não é abandonado. Porque ele de alguma forma não abandona a sua família, simplesmente vai para mais longe, e diz a todos que família é algo que supera o que é nuclear.
Pois sentimos que Jesus com isso abraça toda a humanidade, embora claro pareça que ele despreza aqueles que o criaram e que viveram com ele - e que o conhecem aparentemente melhor que os outros. Pois aqui parece haver uma provocação para nós, que nos restringimos a nossas famílias, considerando-as acima de qualquer outra coisa, quando na verdade Jesus pede para que ampliemos nossos horizontes e que nos encaminhemos a considerar nossa família aqueles que adoram o mesmo Deus, esse a quem Jesus serve.
Pois percebemos que o recado é mais amplo, ao mesmo tempo em que parece duro, talvez excessivamente, para muitos. Ocorre que Maria entendia, e que o Evangelho não nos diz o que seus irmãos e sua mãe entenderam disso que ele dissera.
A gente vê que Jesus precisa entrar numa barca para as pessoas que ficam nas margens ouvirem. Ocorre também que ele fala por parábolas, e que explica o mundo por meio delas, mas mostra também que para quem consegue ouvir a palavra de Deus as parábolas são salvação, enquanto para quem não consegue são a forma pela qual eles mesmos de encontram por fora da palavra de Deus.
É curioso que as parábolas são aparentemente simples, mas que criam uma espécie de distância entre aqueles que estão presos à tradição e que não querem ver a verdade. Pois é isso o que noto em minha própria vida, quando tentava entender o que Jesus dizia, quando sentia algo mas não entendia realmente.
Hoje, após algum estudo mas, mais importante, com a fé que tenho, essas parábolas se tornam, se não fáceis, lições que carrego comigo e que entendo melhor do que minha própria vida, às vezes. Pois é interessante como, ao usar parábolas, Jesus exige uma conversão que supõe escapar daquilo que é determinado e ver por imagens, assim como imaginar o que ele diz enquanto palavra de salvação. Porque é sobre isso que é toda sua lição, um chamado para a salvação que chega para quem se converte, muda e abandona a forma anterior de vida para se render a Deus.
Mas Jesus também tem compaixão e explica a todos o que significam as parábolas, a todos, digo aos seus discípulos que perguntam. E é interessante vermos Jesus respondendo às dúvidas e explicando a todos eles, que o seguem mais proximamente, o que significa aquilo que ele próprio diz. Sentimos Jesus mais próximo, como com compaixão de nós mesmos, que não parecemos entender.
Marcos simplesmente reproduz tudo e nos coloca no lugar dos mais próximos de Jesus, e nos faz tentar entender o que Jesus disse com suas próprias palavras. Só não entende então quem não quer, realmente. Parece que estamos ali mesmo, do lado, de todos eles.
Ocorre que pode parecer arrogante atribuir-se a si mesmo a Palavra, mas Jesus o faz com naturalidade, e é isso que mais irrita as autoridades, ele se supor a autoridade suprema, mas não dizer de onde vem tudo o que ele diz, e ao mesmo tempo parecer não querer nada com isso, a não ser a conversão.
Um aspecto que sempre se ressalta na leitura das parábolas de Jesus é que elas sempre parecem dizer, a cada leitura, algo diferente ou mais amplo ou que nos conduz mais fortemente à nossa fé. Isso fica claro nesta parábola a seguir sobre o candeeiro, que li ontem mas que não tive condições de comentar apropriadamente. Ela está em 4, 21 e seguinte, e hoje, ao lê-la, noto como ela parece nos convidar a derramar a palavra diante de outros, como se não pudéssemos mantê-la escondida conosco, como um candeeiro embaixo da cama. Ocorre que essa leitura, aparentemente simples, para mim passava batida, e eu não a percebia.
Por outro lado, ela também tem detalhes que vêm à tona somente em momentos determinados, como por exemplo dizer "o que está escondido". O que seria isso? A mensagem estava escondida e agora se torna manifesta? O que significa que aquilo estava em segredo e que agora se torna manifesto? Quem tornou isso escondido? Por outro lado, ele também comenta, várias vezes, quem tem ouvidos para ouvir. Claro, os ouvidos são para ouvir.
Mas é como se ficasse um recado de que muitos ou todos têm os ouvidos, mas que não ouvem. Neste caso, há uma conclamação a que as pessoas ouçam, afinal têm ouvidos para ouvir. Esse aspecto, de mensagens que parecem escondidas em algo que parece muito simples, sempre vem à tona, e torna as leituras insuperáveis.
Com o tempo, deixamos de ter tanta vontade de ler outras coisas, e se ficamos nos evangelhos é porque eles sempre nos dizem algo aparentemente novo. Mas que causa estupor, porque nos coloca contra a parede, como se não estivéssemos fazendo o suficiente. Porque podemos pensar que agora que conhecemos a palavra temos que anunciá-la, temos que sair por aí com a vela acesa. Pois então.
Por outro lado, quando lemos esses trechos, e por acaso - ou não tão por acaso - nos pegamos ouvindo algum material qualquer, uma música gospel, surge muitas vezes um rompimento entre nós, no meio de nós mesmos, anunciando outros trechos de que nos lembramos. Irei comentar agora por exemplo que ouvia Decididamente, uma música gospel.
Ocorre que este trecho anterior meio que nos convida a não manter a luz escondida, não é mesmo? Ocorre que essa música, pega por acaso em minha playlist no Youtube (é a primeira da lista), nos mostra uma espécie de tratamento em relação a Jesus que parece excessivamente dependente, como se estivéssemos o tempo todo ansiando por ele, quando na verdade, nesse trecho anterior, ele nos revela a verdade e nos convida a anunciá-la, ou seja, nos coloca numa posição menos dependente, mais altaneira, mais sabedores daquilo que realmente somos.
Mas isso parece criar um conflito. Afinal, estamos ansiando ou temos que sair por aí anunciando? Ocorre que há outros trechos de Jesus que nos convidam a outras coisas, como por exemplo quando ele anuncia, não sei bem onde, que ele irá trazer a divisão, que iremos nos dividir, e que precisaremos tomar uma iniciativa, uma posição.
Ocorre que isso ele também nos diz e parece dialogar com o que lemos, com o que ouvimos e com aquilo que nós realmente somos. Pois é. É como se o tempo todo estivéssemos sendo defrontados conosco mesmos, sem saber direito aonde ir.
Ocorre que, quando nos abandonamos a ser o que somos, é que nós percebemos realmente quem somos. Ou pessoas dependentes, calmas, ou quietas, ou pessoas mais agitadas, que querem fazer alguma coisa, etc. e tal. Percebo que isso também se dá quando lidamos com a família, quando percebemos quem realmente somos, de quem estamos ao lado, e de quem estamos afastados. Pois o tempo todo é como se os trechos nos convidassem, nos dividissem e nos defrontassem conosco mesmos, algo que se torna uma tarefa árdua e de diálogo o tempo todo.
Quanto mais o tempo e o relato passa, mais percebemos que estamos diante de algo que nos espanta. De onde virá tamanha sabedoria, que parece nos cativar ao mesmo tempo em que nos provoca e mesmo nos desagrada, caso não estejamos à altura daquilo que nos é dito? Porque ninguém gosta de ser chamado de ruim, de insuficiente, de incapaz, ao mesmo tempo em que é chamado a se salvar de algo que ele sequer identifique claramente (e que muitas vezes o faz quando está passando por algo maior do que ele mesmo.
Ocorre isso quando vemos a parábola a seguir, da questão das medidas, para os outros e para nós mesmos, que vem seguida de outra, falando sobre o que temos, e aquilo que permanecerá conosco, ou que será retirado. Pois nós temos sempre a intenção de medir os outros por algo que parece exagerado, e por outro lado de sermos medidos por algo que possamos cumprir.
Aqui Jesus estabelece que as medidas nós mesmos estamos desenvolvendo, e por outro lado que na medida em que medirmos com algo muito exagerado, é também assim que seremos medidos, mas também nos será dado. É como se ele nos convidasse a entender que somos nós que sabemos o que fazemos com os outros e conosco mesmos, ao mesmo tempo em que percebemos que, pela lei que ele anuncia, a nós nos será dado também em função mesma disso. Pois é bonito, porque chega a ser quase uma parábola do livre arbítrio.
Por outro lado, a parábola é seguida de outra, em que é dito que aquele que tem terá ainda mais, e que aquele que não tem lhe será retirado. Chega a ser injusto, ao menos aparentemente, mas pensando bem percebemos uma mensagem que mal conseguimos decifrar calmamente, e que só o podemos quando abrimos nossa mente e percebemos ligações que por vezes parecem sumir em meio a nossa mente.
Minhas leituras nestes trechos de Marcos (estou ainda chegando ao capítulo 5) são entremeadas por leituras do dia, da Bíblia, por reflexões tomadas por elas, e por minhas vicissitudes nos dias que correm, que dizem respeito a minhas inseguranças e meus erros, assim como àquilo que escrevo, de forma geral. E percebo como há um diálogo em tudo isso, mas como se fosse no momento ou lugar errados, pois percebo que preciso me dedicar a viver, e não consigo, ou tenho muita dificuldade.
Neste caso, fiquei dias envolvido no trecho que é comentado aqui do Evangelho, ao mesmo tempo em que vi uma apresentação de um grupo na catequese, que me motivou ou cativou ou emocionou bastante, por perceber que as outras pessoas percebiam algo que eu mesmo não compreendera, e isso me deixara frustrado, porque quero saber mais, ou quero saber tudo, ao mesmo tempo em que percebo que isso é inadequado, pois minha vida não pode ser conduzida nessa disputa toda, e que o maior entendimento da palavra é para o bem de todos, e que ninguém perde e todos ganham quanto mais percebermos de tudo o que auferimos dos livros.
Pois lembro-me de que o Wedson percebera que neste livro Jesus é apenas aquele que ensina, enquanto aqui ele não fala nada de si, daquilo que ele é, e percebo como isso está correto, ao mesmo tempo em que entendo que Jesus aqui se define de alguma forma até melhor do que nos outros lugares.
Pois é como se Marcos fosse mais comedido, mais restrito aos fatos, e quisesse nos manter distanciados, como que para nós mesmos termos a impressão que quisermos, daquilo que simplesmente vemos. Por outro lado, queremos ainda mais que Jesus nos fale e fale de si, mas não é aqui que ele faz isso, realmente.
Retomo meu trabalho entrando no trecho em que Jesus comenta o Reino de Deus, como com as sementes que o homem dispõe por sobre a terra. Lembro-me de que num determinado momento de meu processo, e de minha leitura, tudo ficou absolutamente claro, ao mesmo tempo em que ficou complexo, atingindo alturas que eu jamais imaginaria que poderiam ser dadas a mim.
Porque, quando vemos Jesus falando sobre o Reino de Deus vemos ao próprio Jesus espalhando a semente, ao mesmo tempo em que nos vemos convidados a fazer o mesmo, e em que nos vemos envolvidos numa trama que supera o tempo, porque alcança alturas que jamais imaginaríamos divisar.
Porque quando se fala do Reino de Deus se fala disso que queremos, ou que dizemos que queremos, e também se fala de nossa vida corriqueira, de nossa vida malsã, enquanto vivida e vívida, e também de tudo quanto podemos querer da vida, que é isso mesmo, qual seja, espalhar a semente e ver se ela produzirá fruto, sem termos certeza alguma disso.
Por outro lado, vemos trechos desse trecho, quando se comenta que o homem dorme e acorda, e em que ele vê como a semente brota e cresce, mas que o homem não sabe como isso acontece. Porque por detrás disto também parece haver um mistério, o mistério da vida, e o próprio mistério de Deus, que pode jogar sementes sem que frutifiquem, enquanto outras não, outras dão fruto e vão muito longe. Porque aqui se diz que a terra produz fruto por si mesma.
E porque, ao lermos isto, mesmo se formos formados em biologia, percebemos o quanto de enigma há nisto tudo, no enigma na vida, e de se produzir frutos, assim como nas situações em que o fruto não existe, em que ele não sai para a vida.
Ocorre que aqui Jesus apenas descreve tudo, como acontece, e ao mesmo tempo em que convida a que entendamos o que ele quer dizer quando diz que chegou a hora da colheita, quando as espigas são colhidas, e em que isso se dá por meio da foice, ou seja, da morte, em última instância.
Vemos isso e percebemos o quanto tudo parece reproduzir toda a vida, toda a nossa vida, e nos convidar a que sejamos o agricultor que espera pelas sementes que irão frutificar, assim como a que sejamos a espiga, que será colhida, tendo sido o fruto daquela semente entregue ao solo.

Shades
of Gray
The Art of
Dress
Sand
Dunes
Body
Movement
Desert
Life
Color Me
Pink




