Estamos no oitavo capítulo do Evangelho de São Marcos. Já falamos o que está acontecendo, e como Jesus se comporta em função das carências e de tudo o que vê, de parte de quem o acompanha mas que parece não acreditar. Aqui vimos que Jesus, com uma multidão que não tinha o que comer, redistribuiu o resultado de alguns poucos pães para milhares de pessoas. Ocorre que mesmo isso que acontecia parecia ser envolvido por descrença. As pessoas, os discípulos, viam, mas não acreditavam. Perguntavam e não sabiam o que esperar de Jesus. Pois aqui, no começo da metade do capítulo oitavo, eis que os fariseus se aproximavam dele. Claro, para quem sabe o que eram os fariseus, fica até fácil imaginar o que Jesus pensava. Mas para quem não sabe era como se fossem apenas outras pessoas. Mas não, os fariseus eram os que se entronizavam e orgulhavam como aqueles que mais acreditavam, que mais seguiam os preceitos, que mais admiravam o fruto de Deus em suas vidas. Mas aqui não importa muito quem eram aqueles que se aproximavam de Jesus. Importa o que eles pediam, um sinal. Ou seja, não que eles não vissem o que Jesus fazia - se é que viam, se é que estavam presentes -, mas mesmo estando presentes diante de milagres e tudo mais, eles simplesmente não acreditavam que ele fosse o Deus vivo. Curiosos são os termos usados para mostrar como eles não acreditavam. O texto que diz que eles tentavam Jesus, que eles usavam a desculpa de pedirem sinais para tentar Jesus. Nota-se que nesse momento estamos todos envolvidos nisso tudo. Pois quando não acreditamos é porque queremos algo que nos faça acreditar. Um sinal. Mas aqui os fariseus não sentiam que podiam acreditar nele, então o tentavam, para desacreditá-lo. Ou seja, eles sabiam de que lado estavam, contra Jesus, e não queriam um sinal. Simplesmente faziam o que faziam - o tentavam - como sinal de má fé. Pois mesmo assim Jesus não perdia a calma, nem tentava ser diferente daquilo que ele era. Ele simplesmente ouvia aquilo e entendia o que havia ali, corações endurecidos.
Logo em seguida, aparecem os discípulos, tendo se esquecido de levar pães. É curioso, porque aqui tudo fica nebuloso. Porque Jesus não está interessado em saber se eles tinham muitos ou poucos pães - eles tinham apenas um. Mas está interessado em dizer-lhes que eles precisavam ter cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes. Os discípulos mostram confundindo tudo, quando acham que ele fala isso porque eles não têm pães consigo. Quando a mensagem é outra, como é óbvia. Por outro lado, o que quereria dizer que não deveriam cuidar de ter pães com fermentos de fariseus e de Herodes? Bom, os fariseus eram esses que queriam enganar Jesus, que queriam condená-lo, porque sabiam quem ele era mas não podiam, pelos corações endurecidos, concordar consigo e aceitar quem ele era. Por outro lado, Herodes é o poder, é a instituição romana, ou insinuada por ela, e nesse sentido é o que faz o pão crescer para esse lado. Nesse sentido, os pães a que Jesus se referia diriam respeito a nada que fosse criado ou assumido pela influência desses fatores, dos fariseus e de Herodes. Ocorre que pão é o que comemos, ou seja, aquilo que faz de nós o que somos, e nesse sentido fica claro que Jesus se referia àquilo que mais importava, a influência espiritual do pão que comemos. Com respeito à falta de pães, Jesus lhes pergunta se após terem visto eles mesmos os milagres anteriormente, se ainda não acreditam. Pois isso é claro, fica clara a falta de fé daqueles que o seguem, mesmo vendo os prodígios que acontecem.
Os milagres, quando são narrados, o são com simplicidade. Como no caso do cego que as pessoas levaram para que ele, Jesus, o tocasse. Neste caso, Jesus não atribui a cura a algo santificado, a algo sagrado, ele simplesmente coloca as mãos sobre ele e lhe pergunta o que está vendo. O homem vê primeiro sombras e depois as coisas com nitidez. Isso é o que ele diz. Por sua vez, Jesus lhe pede que ele vá para sua casa, e que não entre no povoado. Talvez ele sugira que está sendo procurado, e que ainda não teria chegado a sua hora. Pelo menos é isso o que algumas leituras conduzem a pensar. Então, ele vai para Cesareia de Filipe, e pergunta a eles, aos discípulos, quem seria ele mesmo. No caso, os discípulos respondem o que os outros dizem que ele é, enquanto Pedro é o único que diz calma mas fortemente que ele é o Messias. Neste relato, Jesus não atribiu a Pedro a primazia da instituição que iria vir, a Igreja, mas ele simplesmente manda-os a não falarem a respeito dele para ninguém. É então que Jesus diz o que irá acontecer, referindo-se ao Filho do Homem que deverá sofrer muito, ser rejeitado por algumas pessoas (anciãos, chefes dos sacerdotes e doutores da Lei), e que deverá morrer e ressuscitar em três dias. O relato diz que Jesus falava disso abertamente, como algo que efetivamente iria ocorrer. Mas Pedro, entendendo o que ele dizia, o repreendeu, e depois foi repreendido pelo próprio Jesus, assemelhando-o a Satanás, que não falava as coisas de Deus, mas dos homens. O relato aqui parece claro, mas ao mesmo tempo parece encavalado, como se as coisas meramente se sucedessem. Por outro lado, noto como a Igreja se prende a todo esse relato quase como um imaginário que fica repetindo ad nauseam, como se fosse isso o que ela quer em que os outros meditem, e que pensem, quando estão sozinhos. Percebo também o quanto há de heteronomia nisso, ou seja, de uma forma qualquer um jeito de fazer a pessoa pensar com base num critério moral externo, e não da pessoa mesmo, focado em seus critérios,em sua racionalidade e em seus interesses. Pois noto o quanto o relato serve para que as instituições forcem a pessoa a pensar do jeito que elas, as instituições, querem. Isso me incomoda, sempre incomodou.