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E os dias se encontram em mim

Anteontem, falei com a psicóloga Clarissa. No meu relato, ela quase vacilou ao menos uma vez. Seja como for, foi bom por aquilo que ela disse, e por aquilo que eu mesmo falei.

Ontem, sábado, comi uma vez (bem), algumas poucas vezes (pouco), e fiquei o tempo todo de pijama (pela primeira vez), sem fazer praticamente nada. Recebi um email de interesse por meus serviços, mas fiquei quieto. Dormi muito, várias vezes, e praticamente não me motivei a avaliar se a festa embaixo estaria me afetando. Não me afetou.

Alguma coisa mudou nesse entretempo. Por algum motivo, passei a encarar meu lar como lar. Algo no tempo mudou, também. Como se os momentos gastos comigo não fossem mais desperdício. Como se pudesse dar um tempo para mim. Foi algo indelével, que não consegue ser expresso de uma forma melhorada.

Ou pelo menos eu não consigo.

Nada de minha situação melhorou, quero deixar claro. Nem a ação judicial contra mim, nem a falta de dinheiro, nem os dentes que estão caindo, e de vez em quando me deixando loucos com dor, nem a falta de companhia e de mulher, nem nada.

Algo porém creio que advenha de perceber o quão injusto, aproveitador, babaca e ingênuo tem sido meu irmão. Porque minha mãe me contou sobre ele, e sobre os problemas que anda tendo com a mulher, que quer se divorciar. Não entrarei em detalhes, aqui. Mas a casa caiu. Minha irmã não pretende ajudá-lo, considera-se mal considerada, e realmente é. Minha mãe se preocupa, mas já não pensa nele como ela achava que era.

Eu, nesta brincadeira toda, acabei crescendo. Tenho me comportado bem, tenho sido bem considerado por ambas, e portanto só tenho mesmo a crescer. Orientei minha mãe com respeito ao meu irmão, porque ela precisava de conselho. Não creio que vá se resolver bem, se querem saber.

Posso até imaginar. Ele não vai querer dar-lhe o que ela merece, ela vai entrar na Justiça, ele será obrigado a ceder, vão vender o apartamento, ele vai passar a viver em casa alugada, vai também começar a beber, provavelmente vai se envolver com alunas ou colegas, e o resto, bom, o resto a vida vai dizer. Já vi isso antes muitas vezes. Inclusive em parte comigo.

Agora, enquanto escrevo, ainda permaneço com o pijama. Cutuquei minhas papadas, porque senti algo estranho - um crescimento indevido. Olhei no espelho e nada confirmado. Reflito sobre os dias que se foram e os dias que virão, e concebo que não devo ir à missa das 15h, embora eu até sinta vontade. Percebo que minha vida eu consigo agora concebê-la de forma mais abrangente, e que posso me ver na trilha do tempo.

Fiquei feliz - tenho que confessar - com todos os dissabores do Felipe. Ele sempre foi um sujeito aproveitador, que usava de artimanhas para conseguir o que queria, e que nunca escondeu que nunca gostou de mim, por ser o preferido. Mas seja como for, fiz o que devia. Sempre fiz.

Por vezes, chegam imagens da Paula e da Cris. Imagens de momentos passados, de erros meus e delas, e também de impressões de que não haveria jamais de ser diferente. Mas percebo também melhor a mim mesmo, ou seja, naquilo que quero. Com a Paula, dificilmente eu teria engrenado, realmente. Só se tivesse me tornado uma pálida ideia de mim em relacionamento amoroso.

Está silencioso, aqui, hoje. Talvez tenha festa, como quase tem todo domingo. Mas estou calmo. Algo da objetividade eu soube recuperar com tudo o que passou. Algo da urgência diminuiu um pouco. E algo da paz parece me invadir. Não tenho também vontades loucas, e não tenho também carências loucas. Tudo ficou mais simples. Viver é mais ou menos isso.


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